Grupo que controla os postos Ipiranga e a Ultragaz ganhou concorrência de compra da refinaria; economista alerta para possível aumento no preço dos combustíveis na região Sul
Por Andreza de Oliveira e Guilherme Weimann
Na última terça-feira (19), a Petrobrás anunciou a aprovação da proposta vinculante da Ultrapar Participações S.A. para a venda da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), localizada no município de Canoas (RS). Além dela, a estatal está conduzindo a privatização de outras sete de um total de 13 unidades de refino que possui.
A Ultrapar também participa do processo de venda da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), situada no município de Araucária (PR). Entretanto, caso vença mais essa concorrência, precisará escolher qual das compras dará prosseguimento.
A Refap iniciou suas operações em 1968 e, ao longo dos anos, foi ampliando sua capacidade de processamento de derivados até chegar aos 32 mil metros cúbicos por dia, em 2010. Nesse mesmo ano, a Petrobrás readquiriu 30% da participação da unidade que havia sido vendida à Repsol em 2000, em troca de 700 postos de combustíveis que a empresa espanhola possuía na Argentina.
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No ano passado, a Refap foi responsável por 7% de todos os derivados de petróleo processados no país, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Os principais insumos produzidos foram diesel, gasolina, gás liquefeito de petróleo (GLP), óleo combustível, querosene de aviação e solventes.
De acordo com o Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS), a refinaria possui cerca de 1200 trabalhadores, entre próprios e terceirizados. “O número de terceirizados foi previamente reduzido, por determinação da empresa. Os próprios só saíram por meio de plano de demissão voluntária. Como saíram muitos, agora falta gente para operar a refinaria”, relata o presidente da entidade, o petroleiro Fernando Costa Maia.
O sindicalista ainda ressalta a ansiedade coletiva provocada pela falta de informações e perspectivas de futuro para as pessoas que trabalham na refinaria. “A empresa [Petrobrás] fez uma apresentação na última semana dizendo que nenhum empregado próprio será demitido, e todos aqueles que não quiserem sair terão lugar garantido no Sistema, mas em outras unidades, fora do estado do Rio Grande do Sul. Até que ponto isso é verdade nós não sabemos”, admite Maia.
Possíveis riscos
Segundo o economista Cloviomar Cararine, assessor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), existe a possibilidade de que o grupo Ultra opte por manter alguns trabalhadores da Repar na operação da nova gestão da unidade, por não ser uma empresa especializada em refino. “Mas é importante lembrar que, se ocorrer, há riscos de perda na qualidade de serviços, segurança para os trabalhadores e até mesmo uma piora do produto final”, pondera.
Além dos riscos aos trabalhadores, as comunidades vizinhas à refinaria também ficam mais suscetíveis a acidentes. “Geralmente, em processos de privatização, ocorre uma redução de investimentos em saúde e segurança. Por isso, além dos petroleiros que sentirão uma piora na qualidade do emprego, a população no entorno da Repar passa a correr mais riscos, porque uma refinaria é uma bomba-relógio, precisa de bons investimentos e manutenção”, comenta o economista.
Monopólio privado
De acordo com estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a forma como o mercado de refino está constituído no Brasil tende à formação de monopólios regionais. Com a privatização, o monopólio que hoje está sob controle da Petrobrás passaria a ser privado e os preços dos combustíveis ditados pelos interesses de lucratividade dos futuros comprados.
A análise coloca à prova a justificativa utilizada pelo Conselho de Defesa Econômica (Cade) para forçar um acordo com a Petrobrás, assinado em junho de 2019, para vender oito de suas 13 refinarias, com o objetivo de quebra de monopólio.
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“A Refap é a principal fornecedora de derivados para o Rio Grande do Sul, parte de Santa Catarina e uma parcela do oeste paranaense. Essa região não sofre influência de nenhuma outra refinaria, e isso acaba criando um mercado monopolizado. Por isso, com a privatização, ninguém vai conseguir importar porque não terá como descarregar derivados no Rio Grande do Sul, então a empresa compradora poderá praticar o preço que ela quiser”, explica Maia.
Cararine também endossa essa ideia de que uma única empresa privada no comando do refino do Rio Grande do Sul coloca a população à mercê do grupo comprador e dos valores que ele quiser praticar. “O aumento de preço dos derivados para o consumidor local depende da estratégia que o grupo Ultra irá adotar, que pode até apresentar valores mais baixos de início, mas que em determinado momento tentará recuperar esse lucro, porque esse é o objetivo de uma empresa privada: lucrar”, opina.
Transferência
O diretor sindical também chama atenção que o grupo Ultrapar é dono da rede Ipiranga, que controla 7,2 mil postos de combustíveis no país, o que poderia gerar uma espécie de cartel entre o refino e a distribuição. “A Abicom [Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis] questiona que a empresa pode fechar o mercado de venda de derivados para outras distribuidoras, o que dificultaria os demais participantes da distribuição e permitiria que a empresa compradora jogue o preço que ela quiser para o derivado”, pondera.
Além do refino e da distribuição, a Ultrapar também controla a Ultragaz, responsável por aproximadamente 23% do mercado de revenda de gás liquefeito de petróleo (GLP) no país. Em 2018, o grupo tentou comprar a Liquigás, distribuidora de gás da Petrobrás, mas foi impedido pelo Cade por formação de cartel.
Segundo Cloviomar, o processo de venda da Refap já está em acordo com o Cade e a justificativa usada por parte da Petrobrás para privatizar a refinaria é contraditório. “É um absurdo a gestão da Petrobrás dizer que a venda da Refap aumentaria a concorrência no Rio Grande do Sul, seria apenas a troca do Estado por uma empresa que não tem compromisso nenhum com o abastecimento local”.
O pesquisador ainda lembra que, do ponto de vista econômico, esse é o pior cenário para a Petrobrás vender suas refinarias. “Com a redução do consumo provocada pela pandemia, o preço da unidade de refino fica muito abaixo do que realmente vale. Será muito difícil a Petrobrás conseguir vender suas refinarias por um bom preço, portanto, quem aproveita é o comprador”, finaliza.