PEC do Estado de Emergência pode abrir espaço para privatização da Petrobrás

Parlamentares da oposição e petroleiros acreditam que Arthur Lira (PP-AL) pode criar projeto para derrubar controle acionário da empresa pela União  

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Privatização da Petrobrás é estratégia desesperada diante da derrota eleitoral, avaliam parlamentares da oposição (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por José Eduardo Bernardes, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann

A privatização da Petrobrás, a maior empresa de capital aberto do Brasil, não está descartada há menos de 100 dias para uma das eleições mais complexas da história do país. Projetos que circulam no Senado e na Câmara dos Deputados podem servir como trampolim para o que trabalhadores do setor do petróleo consideram um verdadeiro “desastre”.

Entre as propostas que tramitam no Congresso Nacional, parlamentares chamam a atenção à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 1, que ficou conhecida como PEC do Estado de Emergência, de autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), aprovada pelo Senado na última quinta-feira (30).

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A proposta substitui a PEC 16, conhecida como PEC dos Combustíveis, para, entre outros temas, abrir o caixa do governo federal a subsídios de programas sociais como o Auxílio Brasil, benefícios a caminhoneiros que podem chegar a R$ 1.000 e compensações aos estados pela redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) para combustíveis como o etanol.

Ao criar o Estado de Emergência, o governo federal fica livre para aprovar recursos fora do teto de gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal, além de driblar a legislação eleitoral, que impede a criação de benefícios para pessoas físicas em anos eleitorais.

Apesar da proposta – que agora segue para a Câmara dos Deputados – não tratar especificamente da “privatização” da empresa em sua formulação original, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) não descarta que essa seja a oportunidade que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deseja para colocar em ação seu plano de auxiliar a campanha de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição deste ano.

O próprio Lira fala em utilizar algum instrumento para enfiar aí o processo de privatização da Petrobrás

Glauber Braga, deputado federal

Foram, inclusive, as recentes declarações do presidente da Câmara, que ameaçou a empresa com retaliações por conta dos seguidos aumentos nos preços dos combustíveis, que voltaram a colocar o tema da privatização da Petrobrás no debate nacional.

“Na Câmara, a expectativa é que eles vão apensar a PEC que está no Senado com a PEC 15, que trata do mesmo assunto. Num primeiro momento, nessas matérias, não teria especificamente o tema da privatização. Mas a gente não sabe o que pode surgir dos relatórios. Já há conversas de bastidores nas quais o próprio Lira fala em utilizar algum instrumento para enfiar aí o processo de privatização da Petrobrás”, explica Braga.

“[Lira] chegou a falar em uma reunião do Colégio de Líderes [da Câmara], em colocar o projeto de entrega do controle acionário numa matéria por maioria simples”, completa.

O discurso de Lira coaduna com o mal desempenho eleitoral do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas que antecedem o pleito deste ano. No último levantamento publicado pelo Datafolha, em 23 de junho, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantinha a dianteira nas intenções de voto com 47%. Bolsonaro está 19 pontos percentuais atrás, com 28% – Ciro Gomes (PDT), o mais próximo dos dois principais candidatos, registrou 8%.

Em votos válidos, quando são excluídos da conta geral nulos e brancos, Lula chega a 53%, ante 32% de Bolsonaro, o que garantiria ao petista uma vitória ainda no primeiro turno.

Política de preços x Eleição

Desde o início da pandemia de covid-19, em março de 2020, o país está mergulhado em uma grave crise política e econômica. E um dos principais elementos é a inflação direta ao consumidor, que no acumulado dos últimos 12 meses chegou a 11,73%, tendo os combustíveis como fator decisivo.

No mesmo período de 12 meses, o diesel teve alta de 51,04% e a gasolina teve aumento de 27,36% para os consumidores, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo 15 (IPCA-15). A variação se deve, principalmente, à política adotada pela empresa, ainda durante a gestão de Michel Temer na presidência, em 2016, quando foi instalado o preço de paridade de importação (PPI), que atrela o valor dos combustíveis nas refinarias nacionais às cotações do barril no mercado internacional, ao dólar e aos custos logísticos estimados de importação.

Leia também: Os efeitos da autoverdade de Bolsonaro sobre a Petrobrás

Após o último reajuste de preços, que culminou no pedido de demissão de José Mauro Coelho do comando da estatal, Lira chegou a publicar um artigo na Folha de S. Paulo dizendo não querer um “confronto” com a Petrobrás.

“Queremos apenas respeito da Petrobrás ao povo brasileiro. Se a companhia decidir enfrentar o Brasil, ela que se prepare: o Brasil vai enfrentar a Petrobrás. E não é uma ameaça. É um encontro com a verdade”.

Apesar das críticas de Lira e Bolsonaro aos seguidos aumentos nos preços dos combustíveis, as tendências liberais da gestão federal na economia impediram o fim do PPI, que em um dos momentos mais delicados para a população brasileira seguiu forçando a paridade do petróleo nacional e internacional.

O coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, lembra que é durante a gestão Bolsonaro que a empresa transferiu os maiores valores “para acionistas e, principalmente, acionistas internacionais”.

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“Em 2021, nós tivemos R$ 106 bilhões de lucro líquido e foram transferidos R$ 101 bilhões para acionistas via dividendos. E a mesma coisa no primeiro trimestre deste ano, quando tivemos um lucro líquido de R$ 44 bilhões e foram transferidos para acionistas R$ 48 bilhões via dividendos”, afirma o dirigente.

As declarações de Arthur Lira e do presidente Jair Bolsonaro dão conta de que a privatização da empresa não será concretizada tão logo. No entanto, a tática ventilada por Lira a aliados, e também publicamente, é a de abertura acionária do capital da empresa, em um projeto que possa ser aprovado por maioria simples da Câmara.

Nestes casos, que são utilizados para votação de grande parte das matérias que tramitam no Congresso Nacional, seriam necessários apenas o voto da maioria dos parlamentares presentes em uma sessão – com a necessidade de que estejam presentes a maioria dos 513 deputados na Câmara e a maioria dos 81 senadores – para aprovar um projeto.

Há possibilidade do Lira apresentar algum projeto de lei que venha fazer com que a União perca o controle acionário da Petrobrás

Deyvid Bacelar, coordenador da FUP

“Nós temos conversas com as lideranças, tanto da oposição quanto da minoria na Câmara e no Senado e houve, sim, uma sinalização de que há possibilidade do Lira apresentar algum projeto de lei que venha fazer com que a União perca o controle acionário da Petrobrás”, explica Deyvid Bacelar.

“A União tem 50,26% das ações ordinárias, ou seja, aquelas que têm direito a voto, então precisaria apenas que eles alterassem a Lei do Petróleo, no seu artigo específico, que determina que a União precisa ter 50% + 1 das ações ordinárias, com direito a voto, para que a empresa perca o controle acionário”, afirma Bacelar.

“Temos que ter atenção porque, vamos dizer que ele [Lira] coloque – para não dizer que foi por maioria simples, mas por emenda à Constituição – nesse projeto de abertura para vouchers, a entrega do controle acionário da Petrobrás… Temos que saber quem vai relatar essa matéria, olhar como vai sair o texto, é fundamental”, completa Glauber Braga.

Greve geral

Bacelar integra uma brigada da FUP e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) em Brasília, que tem se mobilizado de maneira permanente para monitorar as ações no Congresso Nacional, que colocam em risco a estatal brasileira.

Para além do monitoramento do Congresso, os petroleiros têm organizado assembleias em todo o país para explicar as intenções de Lira e Bolsonaro sobre a privatização e os riscos que a medida pode causar à população brasileira.

Até o dia 8 de julho, segundo Bacelar, deverá ser aprovada, “pela categoria petroleira no Brasil, uma greve nacional”.

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“Se houver a apresentação de um projeto de lei para a privatização da Petrobrás, ou essa perda do controle acionário, vamos deflagrar essa greve nacional que terá, sem dúvida alguma, apoio da sociedade brasileira, principalmente dos setores organizados, como caminhoneiros, motoristas e entregadores por aplicativo, taxistas, donas e donos de casa, que não suportam mais os preços dos combustíveis”, completa o coordenador da FUP.

O líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (PT-MG), destaca que “qualquer proposta de privatização da Petrobrás que for apresentada no Congresso Nacional será combatida pela oposição e por inúmeros parlamentares progressistas de várias bancadas”.

“É evidente que Bolsonaro quer criar um fato político com o discurso de privatização da Petrobrás, porque está desesperado com a derrota certa nas eleições presidenciais de 2022. As pesquisas de opinião já demonstraram de forma cabal que a população brasileira é predominantemente contrária à privatização da Petrobrás, e o Parlamento certamente refletirá essa posição, em um eventual debate”, completa.

Outro lado

A publicação entrou em contato com a assessoria da Câmara dos Deputados, que se limitou a indicar o seu site como consulta: “Na página de cada proposição há o histórico de tramitação, em que é possível verificar as comissões que analisarão a proposta”.

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