Na Usina Termelétrica Luís Carlos Prestes, os indicadores exigidos pela companhia têm exposto trabalhadores a jornadas extenuantes e colocado a unidade em risco
Por Bronca do Peão*
O absurdo de focar o trabalho na manutenção dos indicadores vem levando diversas unidades a burlarem as métricas que os compõem. Esse evento vem destruindo o patrimônio da Petrobrás com sucessivas escolhas gerenciais que, sem nenhum pudor, entregam os bens da empresa e destroem a saúde mental dos trabalhadores.
Não podemos deixar de lembrar que a morte do companheiro na Refinaria de Mataripe (antiga Refinaria Landulpho Alves), que tirou a própria vida, foi associada ao trabalho. É muito fácil de ser observado o disparate entre a realidade e o indicador, como fica explícito na Usina Termelétrica Luís Carlos Prestes (UTE-LCP), localizada em Três Lagoas (MS).
Começamos pela análise das ordens de manutenção, que, não por um acaso, vem mensalmente repetindo operações de manutenção nas ordens de serviço já em andamento. A unidade não reconhece a manobra como tendo propósito exclusivo de burlar as métricas, mas também não explica o objetivo, que sabemos ser para não afetar o indicador ProdM (produtividade de manutenção). O fato é que essas mudanças na ordem de serviço afetam diretamente o trabalho da operação de campo, que frequentemente precisa revisar a análise de risco após uma PT (Permissão de Trabalho) ou PTT (Permissão Para Trabalho Temporário) já ter sido liberada no campo, o que automaticamente cancelaria a PT.
E sim, aparentemente cancelar PT também afeta algum indicador, pois tem havido pressão para “monitorar” o número de PT’s canceladas, mas aparentemente foi entendido/interpretado como deixar de fazer. Essa exigência chegou ao cúmulo de um supervisor cancelar algumas PT’s antes delas terem sido abertas no campo, o que só veio a acontecer na segunda-feira seguinte (a PT emitida tem validade de 7 dias).
Para realizar essa proeza, o “bonito” resolveu indicar no sistema informações falsas a respeito de quem foi o emitente, tanto na liberação quanto na baixa da PT, registrando também data e hora de início e fim do serviço retiradas da própria cabeça. A Permissão para Trabalho é um documento legal, sua fraude é um absurdo inaceitável. Porém, esse é o perfil de gestor que a gestão bolsonarista admira, que faz o absurdo para atender um pedido que sequer foi capaz de compreender sem qualquer senso crítico que fosse capaz demovê-lo de cumprir seu papel ferramental na gestão.
O papel dos indicadores na gestão fraudulenta das empresas pode ser explicado pelo fenômeno promovido pelo capital chamado “eu não quero me queimar” unido a um total desprezo de alguns gestores em trabalhar dentro da realidade em que ele existe. Um exemplo curioso é a história quase anedótica da política de estoque zero que fez uma parcela gigante dos gestores da Petrobrás terem jogado para descarte como sucata diversos itens e muitos deles embalados, como válvulas de controle nunca usadas, que fizemos questão de denunciar. O objetivo claro é atingir o menor capital imobilizado em estoque e essa foi uma meta imposta para a gerência, que, incapaz de pensar de maneira crítica e questionar uma métrica ruim, foi lá e fez o serviço de maneira porca. Ou seria possível justificar jogar uma válvula nova e embalada no lixo com base na lógica e na razão?
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O mesmo desejo de atingir metas irreais fez com que a gestão da UTE-LCP naturalizasse o supervisor ocupando de maneira rotineira e habitual o posto do segundo operador de painel. Além de ser um flagrante acúmulo de função, isso também se configura como abandono de um posto de trabalho, pois a supervisão prioriza as demandas de gestão, deixando o único operador de painel sobrecarregado e com razoável frequência impossibilitado de ir ao banheiro, pois não pode sair do posto de trabalho. Para contornar esse problema, é comum chamar o operador de campo (mesmo que este não seja treinado no painel) para ficar na sala durante a ausência do operador de painel, deixando o segundo operador de campo sobrecarregado.
Por diversas vezes o sindicato solicitou à Usina que informasse o número de referência (quantidade mínima de operadores necessária pra operação segura da unidade), o que foi negado em todas as oportunidades, chegando ao cúmulo de dizer na reunião de SMS que eles não “conseguiriam passar a informação”. Prontamente foram informados que, sabendo da dificuldade que a gestão criaria, o sindicato realizou uma consulta à ouvidoria da Petrobrás, que mandou a seguinte resposta: “A industrial trabalha com o conceito de número de referência para composição dos grupos de operação, o qual é definido considerando a soma dos postos de trabalho de campo e painel”.
O fato é que a falta de efetivo promovida por sucessivos PIDV’s (Planos Incentivados de Demissão Voluntária), sem recomposição do efetivo, criou um buraco tão grande que seria impossível atingir os limites máximos de horas extras exigidas pelos “indicadores”. Com isso, a “solução” absurda foi colocar o supervisor para ocupar o posto do segundo operador de painel.
É preciso deixar claro que o CNPJ da empresa é incapaz de tomar decisões, toda atitude tomada pela gestão foi ato de responsabilidade de pessoas e elas precisam ser responsabilizadas tanto pela gestão fraudulenta quanto pela destruição do patrimônio da Petrobrás.