Por Carla Cristina Pereira, técnica em Operações na Refinaria de Paulínia que compartilha no blog ‘Uma Vida Mais Rica‘ sua paixão por economia e finanças
A alta no preço dos combustíveis tem pressionado o – já comprometido – orçamento do brasileiro. Só em 2021, a gasolina acumula um aumento de preço maior que 50%, enquanto o diesel e o GLP (gás liquefeito de petróleo, mais conhecido como gás de cozinha) encareceram em mais 40% e 20%, respectivamente.
Esses aumentos são prejudiciais não apenas para quem depende diretamente do transporte rodoviário, mas para a economia como um todo. Isso acontece porque, com a condução das mercadorias no Brasil sendo realizada, majoritariamente, por rodovias, a alta no preço do diesel impacta diretamente o valor de todos os produtos que dependem deste tipo de locomoção para chegar ao seu destino – acarretando num aumento generalizado de preços, ou seja, inflação.
O governo federal, numa tentativa de frear a alta nos valores dos combustíveis, praticamente zerou os impostos federais incidentes sobre o diesel e o gás de cozinha. Porém, essa medida se mostrou ineficiente, e para entender o porquê, vejamos primeiramente como é a composição desses preços:
Composição de preço da gasolina
Na Figura 1 abaixo, está esquematizada a composição do preço da gasolina tipo C – aquela que o consumidor adquire da bomba do posto.
A gasolina produzida pela Petrobrás é a do tipo A e tem como característica a não utilização do álcool anidro em sua composição, diferente da do tipo C, composta por 27% de etanol anidro (álcool quase 100% puro).
Como pode ser visto, do preço total da gasolina tipo C, a realização da Petrobrás (ou do importador da gasolina tipo A) é de apenas 34,4%.
O custo referente à adição de etanol gira em torno de 13,4%, ao passo que a parcela de distribuição e revenda corresponde a 11% do preço total.
O impacto da carga tributária no preço final é de 41,2%, em que 12,4% corresponde aos impostos federais e 28,8% aos estaduais.
Composição de preço do óleo diesel
As Figuras 2 e 3 acima mostram a composição do preço final do óleo diesel antes e após a isenção dos impostos federais. O tipo S-10 (máximo de 10 ppm de enxofre), vendido nos postos, é composto por 88% de diesel puro e 12% de biodiesel. A adição de biodiesel ao combustível fóssil tem como principal objetivo a diversificação da matriz energética brasileira, além de elevar a parcela de combustíveis renováveis na cadeia de consumo, já que o biodiesel é produzido a partir de óleos vegetais e/ou gorduras animais.
Como pode ser visto na Figura 3, o custo do biodiesel corresponde a 13,8% do preço final do diesel vendido nos postos distribuidores, enquanto a margem de distribuição e revenda é de 15,8%.
Também pode ser verificada que a realização da Petrobras no preço do produto é maior para o diesel do que para a gasolina. Enquanto 34,4% do preço da gasolina vai para o caixa da estatal, no caso do diesel S-10, a realização da Petrobras é de 55,7% sobre o preço final – é importante salientar que essa porcentagem também pode ser referente ao S-10 importado.
Ainda, visto que grande parte dos produtos são transportados por caminhões que utilizam o diesel para se locomover, a carga tributária incidente sobre esse combustível costuma ser menor do que a da gasolina. Isso acontece porque o aumento de preço no diesel causa um impacto maior na inflação se comparado com a gasolina.
Assim, enquanto a carga tributária total da gasolina está em torno de 41,2%, no diesel, a incidência total de impostos está em 14,7%, após a redução dos impostos federais.
Mesmo antes dessa redução da carga tributária, os impostos sobre o diesel correspondiam a 22% do preço total (em que 8% eram referentes aos impostos federais e 12% aos estaduais), como mostra a Figura 2.
Por isso, a tentativa do governo de praticamente zerar os impostos federais do diesel é uma medida ineficiente para a redução do preço, porque a parcela federal correspondia a apenas 8% do preço total, ou seja, tem um impacto muito pequeno no valor final.
Composição de preço do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo)
A Figura 4 acima mostra a composição de preço obtida a partir da média de preços do GLP comercializados nas principais capitais do país.
A parcela de distribuição e revenda do GLP corresponde a cerca de 34% do preço final, enquanto a realização da Petrobrás (ou o valor de importação, quando o produto não for nacional) gira em torno de 48%.
O GLP é a principal fonte combustível utilizada no âmbito doméstico e, sendo imprescindível para a subsistência das pessoas, é o que possui a menor carga tributária, se comparado ao diesel e à gasolina.
Há menos de um mês, a carga tributária total era de cerca de 18%, em que 3% eram referentes aos impostos federais e 15% aos estaduais. Ou seja, por exemplo, se um botijão de gás custasse R$ 100,00, apenas R$ 3,00 seriam destinados ao governo federal. Portanto, zerar essa contribuição é uma medida de baixo impacto no preço final do GLP, pouco irá baixar o preço do gás de cozinha.
Então, a redução dos impostos federais sobre o preço dos combustíveis resolve o problema?
Como já foi mostrado por meio das figuras acima que retratam a composição de preços dos combustíveis, NÃO!
A partir dessas figuras, é possível concluir que, com exceção da gasolina, a carga tributária incidente não é a parcela de maior peso na composição do preço do produto final. Dessa forma, reduzir o valor dos combustíveis apenas modificando a tributação é como medir apenas a ponta de um iceberg.
A parcela que corresponde à realização da Petrobrás (ou do produto importado, quando for o caso) é a de maior impacto na composição do preço total dos combustíveis, fica claro concluir que alterar a carga tributária não é uma medida preponderante, o que evidencia que é preciso, na verdade, entender a dinâmica por trás da formação de preços, e isso pode ser feito por meio do entendimento da Política de Preço dos Combustíveis.
Política de preços dos combustíveis
A Política de Preços dos Combustíveis representa o conjunto de regras que determinam a maneira como será feito os reajustes nos valores da gasolina, diesel, querosene de aviação e GLP.
A partir de 2002, a Lei 9.478/97, conhecida como a Lei do Petróleo, pôs fim ao monopólio da Petrobrás sobre a comercialização de combustíveis. Dessa forma, foi possível a importação de derivados, garantindo assim, uma livre concorrência.
Em 2016, houve uma mudança na Política de Preços dos Combustíveis, ou seja, nas regras de como é feito o reajuste, sendo adotada a Paridade de Preço Internacional. A partir disso, os derivados do petróleo, que são commodities, como o milho, café etc, passaram a ter seus valores cotados em dólar por serem definidos pelo mercado internacional. Assim, se o preço da gasolina subir no mercado externo, automaticamente aumenta no mercado interno.
Dessa forma, a Paridade de Preço Internacional torna o Brasil mais vulnerável às oscilações do mercado estrangeiro, bem como à questões geopolíticas, tal qual, por exemplo, conflitos em países produtores de petróleo – que passam a afetar diretamente os preços dos derivados em território nacional.
Outra questão que também afeta os preços no Brasil são as oscilações na cotação do dólar americano, tanto que, em 2020, dentre as 30 moedas mais negociadas no mundo, o real foi a que mais se desvalorizou.
Tal desvalorização representa um dos principais motivos para o aumento dos combustíveis no mercado interno porque, ainda que o preço da gasolina não mude internacionalmente, com a baixa do real é necessária uma maior quantidade de dinheiro para comprar o produto que é cotado em dólar.
Conflito de interesses e possíveis soluções
A Petrobrás, empresa de capital misto, tem o governo brasileiro como acionista majoritário e, o restante das ações, ficam sob posse do investidor privado.
Para os acionistas, em geral, a Política de Paridade Internacional nos preços é interessante pois, com o real desvalorizado e os combustíveis sendo comercializados em dólar, aumenta-se substancialmente o lucro.
Já para o governo, e para o país como um todo, esse é um cenário extremamente desfavorável visto que, com a desvalorização do real e dolarização dos combustíveis, se limita ainda mais o poder de compra dos brasileiros, o que gera inflação e desestabiliza uma economia já fragilizada, e recentemente agravada com a crise sanitária ocasionada pela pandemia de covid-19.
Assim, fica evidente que há um claro conflito de interesses entre os detentores das ações da empresa: os investidores privados, que visam basicamente o lucro, e o governo brasileiro, que deve manter uma economia equilibrada e em crescimento.
Portanto, a solução para essa questão é equilibrar as preferências dos envolvidos e garantir sim um lucro atraente para o investidor privado continuar colocando o seu capital na empresa, mas de uma maneira que não desestabilize a economia com preços abusivos ao consumidor – a outra ponta de interesses que precisa ser atendida. Por isso, a resposta para esse problema é a alteração na Política de Preços dos combustíveis.
Como sugestão, uma das principais medidas seria abandonar a Paridade Internacional de preços, deste modo, o reajuste de preços dos combustíveis deixaria de ser feito levando apenas em consideração o preço no mercado internacional. A parti daí, seria realizada uma ponderação do preço praticado no mercado internacional considerando os fatores internos, como demanda, custo interno de produção, entre outros.
Afinal, se o país é autossuficiente na produção de petróleo, a Petrobrás possui um parque de refino ao longo de quase todo o território nacional e uma malha dutoviária que promove toda a logística, é capaz de garantir uma produção interna por um custo muito menor que o internacional, principalmente nesse cenário de desvalorização do real. Portanto, a Política de Preços deve considerar não apenas os fatores estrangeiros, mas também os fatores nacionais na hora de efetuar o reajuste nos valores de derivados do petróleo.
Além do mais, atualmente, as refinarias operam abaixo de sua capacidade instalada. Assim, é possível aumentar a produção quando houver maior demanda interna, o que dispensaria a importação de derivados que onera ainda mais o consumo dos combustíveis.
A prática de consumir a produção interna em detrimento da importação tem, inclusive, um impacto socioeconômico positivo, pois a geração de empregos passa a ser no Brasil, em vez de ocorrer no setor externo. Ao aumentar a capacidade de trabalho, aumenta-se a renda nacional e eleva o PIB (Produto Interno Bruto) do país.
Portanto, a solução está na viabilização de uma política de preços que garanta lucro atrativo ao acionista sem afetar, de forma perniciosa, o poder de compra do consumidor. Para isso, basta-se considerar, além do preço internacional, os fatores internos – o que diminuiria consideravelmente o preço do combustível sem prejudicar a empresa e nem a população brasileira.