Sobre o primeiro ano da nova gestão da Petrobrás, o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, exalta diversos avanços, mas aponta alguns desafios, como o de combater resquícios bolsonaristas dentro da empresa
Por Guilherme Weimann
Não foram poucos os retrocessos no Sistema Petrobrás desde o impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, iniciado no fim de 2015. Houve alguns visíveis e sentidos por toda a população, como a política que elevou constantemente os preços dos combustíveis e as diversas privatizações, até alguns mais internos, relacionados a uma cultura corporativa predatória, marcada por assédios trabalhistas, sexuais e por práticas declaradamente antissindicais.
Nesta entrevista exclusiva ao Sindipetro Unificado, o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, exalta mudanças nessas duas pontas, mas também aponta um longo caminho a ser percorrido.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Uma das principais críticas dos petroleiros durante os governos Temer e Bolsonaro foi direcionada ao Preço de Paridade de Importação [PPI]. Em maio deste ano, a Petrobrás anunciou o fim do PPI. Mesmo assim, a gasolina aumentou 12,5% no acumulado do ano passado, em parte devido ao retorno de impostos que haviam sido desonerados. Como você avalia a política de preços dos combustíveis neste primeiro ano de governo Lula?
De fato, a política de preços dos combustíveis foi alterada pela Petrobrás. Atualmente, ela não utiliza o preço de paridade de importação, ou seja, os preços não oscilam mais por aqueles três vetores: preço do barril de petróleo no mercado internacional, variação do dólar e custos de importação. É óbvio que hoje os preços observam, sim, o preço do petróleo no mercado internacional, mas os combustíveis que são produzidos aqui não levam mais em consideração os custos de importação. Então, hoje a Petrobrás mantém uma política de preços própria, que lhe dá uma maior competitividade, tanto é que ela voltou a ampliar o grau de participação nacional no setor. Os seus preços estão mais baixos do que os praticados pelas refinarias que foram privatizadas.
Uma crítica construtiva que a gente tem feito à Petrobrás é que o GLP poderia já de imediato ter preços mais baixos
É importante dizer também que o essencial é que a gente atinja a autossuficiência no refino ou na produção de derivados de petróleo. O Brasil ainda tem um gap relativamente grande em relação ao diesel e ao GLP, o que faz com que os preços internacionais tenham uma influência maior nesses custos de importação. Por isso, é acertada a decisão do presidente Lula e do Jean Paul Prates de retomarem as obras que foram paralisadas pela Lava Jato, como a Refinaria Abreu e Lima (RNEST) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), além de estarem ampliando a capacidade de outras refinarias. Quem sabe também não construímos uma nova refinaria, dessa vez 100% verde, lá no Nordeste do Brasil. Isso acabaria com a importação de combustíveis e tornaria os preços 100% abrasileirados de fato.
Uma crítica construtiva que a gente tem feito à Petrobrás é que o GLP poderia já de imediato ter preços mais baixos, ainda mais baixos, porque ele representa em torno de 3,5 a 4% apenas do faturamento da empresa. Por isso, poderia ter um preço menor, porque não teria impacto nos resultados financeiros da companhia. Caiu de R$ 130, R$ 140 para cerca de R$ 100, mas os preços poderiam estar ainda mais baixos.
Os petroleiros se mobilizaram fortemente contra a privatização da Petrobrás nos últimos anos e existia uma expectativa de retomada de alguns ativos. Qual o saldo desse primeiro ano de governo Lula em relação a isso?
Primeiro é importante destacar que depois de várias cobranças nossas, lá no primeiro semestre do ano passado ainda, a nova gestão da empresa suspendeu todas as privatizações. Os processos que estavam em andamento, de ativos que haviam sido colocados à venda, foram paralisados. Sobre a retomada de alguns ativos, de fato nesse ano ainda não aconteceu, mas tivemos pelo menos algumas boas notícias em relação a esse tema. Um exemplo é o interesse do fundo Mubadala em discutir com a Petrobrás não somente a biorrefinaria que será construída ao lado da Refinaria Landulpho Alves (Rlam, atualmente Refinaria de Mataripe), mas a própria Rlam. Isso é a sinalização da retomada de um ativo que foi privatizado, obviamente não da maneira como gostaríamos. Para nós, a venda foi ilegal e por isso deveria ser revista pela própria justiça. Como não foi, existe um contrato para ser cumprido e, por isso, está ocorrendo essa negociação no âmbito internacional entre o Brasil e os Emirados Árabes Unidos.
É essencial para que a empresa volte a ser totalmente integrada e consiga novamente influenciar nos preços de combustíveis no país
Estamos também cobrando que haja uma possibilidade similar em relação à Reman [Refinaria Isaac Sabbá], à RPCC [Refinaria Potiguar Clara Camarão] e à Six, além de outros ativos, como a BR Distribuidora, Liquigás e NTS. Esses outros ativos também carecem de um processo de análise, de negociação para retomada. A retomada da BR Distribuidora, por exemplo, é essencial para que a empresa volte a ser totalmente integrada e consiga novamente influenciar nos preços de combustíveis no país. Inclusive, há discussões nossas junto à empresa para que esse processo avance. Até porque, com o anúncio da Petrobrás de não renovação do contrato da sua marca com a Vibra, isso pode gerar o interesse dessa empresa buscar novos parceiros ou até mesmo vender a totalidade da BR Distribuidora.
Relatos de assédio moral e de uma lógica produtivista, que inclusive chegou a colocar trabalhadores em risco, foram abundantes nos últimos anos na Petrobrás. Já é possível sentir alguma mudança nessa cultura corporativa?
Infelizmente, esse foi o retrato da gestão anterior, que foi uma gestão truculenta, assediadora, que promovia práticas antissindicais. Mas as mudanças já estão ocorrendo, nós tivemos reuniões desde o início do ano passado, inclusive por meio de um GT [Grupo de Trabalho] específico que tratou do tema. E a empresa criou uma política contra o assédio moral, sexual e contra a violência no trabalho. Em breve, será divulgada uma política relacionada a práticas sindicais, contrastando a gestão anterior que, inclusive, foi denunciada na OIT [Organização Internacional do Trabalho] por práticas antissindicais. Obviamente ainda existe um resquício da gestão anterior, porque parte dos que cometeram as maldades continuam em funções gratificadas ou em cargos gerenciais e, por mais que eles ajam como camaleões, seus instintos os levam a cometer atos como esses. Quando conseguimos identificar essas pessoas, estamos lutando para que elas sejam retiradas dos seus postos.
Como os petroleiros observam a influência do bolsonarismo dentro da empresa? Ainda existem muitos gestores introduzidos pela gestão anterior que permanecem em seus cargos?
A categoria petroleira observa uma forte influência do bolsonarismo dentro da gestão da Petrobrás. Eu não diria na cúpula, na Diretoria ou no Conselho de Administração, porque o acionista controlador fez indicações diretas. Mas nas Gerências Executivas, que contém profissionais de carreira em sua ampla maioria, infelizmente ainda há resquícios do bolsonarismo. Essas pessoas, que são inclusive da minha geração, acabaram sendo muito influenciadas pela Operação Lava Jato e pelo discurso anticorrupção dentro da Petrobrás. Infelizmente, ao longo desses 8, 10 anos de ataques sucessivos, muitas dessas pessoas foram contaminadas. Então, sim, ainda persistem alguns gestores, eu não diria muitos, mas que estão em funções importantes na companhia. Essas pessoas discordam do projeto que saiu vencedor nas urnas, discordam das mudanças que estão sendo feitas no planejamento estratégico da Petrobrás e não vão ajudar em nada, no que eles puderem atrapalhar irão. Por isso, é prudente que se retire essas pessoas desses cargos. Elas possuem um emprego, passaram em um concurso público como eu, mas não precisam estar em cargos de gestão, como uma Gerência Executiva em que o salário pode chegar a R$ 85 mil. Não faz o menor sentido manter uma pessoa que discorde do projeto, da prática da nova gestão. Não tem nem pé nem cabeça manter um bolsonarista em função gerencial.
Neste mês de fevereiro, a última grande greve dos petroleiros completa quatro anos. O seu estopim foi o fechamento da Fábrica de Fertilizantes do Paraná (Fafen Paraná). Quais foram as sinalizações até o momento de retomada desse setor estratégico?
De fato, são quatro anos de uma greve histórica, a segunda maior da história da categoria petroleira. Uma greve importante, que evitou a privatização da Petrobrás como um todo. Se não houvesse resistência da categoria, não tenho dúvida de que o governo anterior faria o mesmo que fez com o Sistema Eletrobrás, que foi privatizado. Essa greve teve como estopim a hibernação da Fafen Paraná, lutamos até o fim contra isso. Foram 21 dias de ocupação do Edise [Edifício Sede da Petrobrás], 20 dias de paralisação nacional, 43 dias de paralisação na Fafen Paraná e até então essa fábrica não foi reaberta. Já temos algumas sinalizações, o próprio presidente Jean Paul Prates já anunciou que essa fábrica será reaberta. Temos ciência de que está prestes a ser divulgado um edital de licitação para as obras que precisarão ser feitas, porque a fábrica está fechada e sem condições adequadas de manutenção há quatro anos. Então há uma necessidade de obras a serem feitas ali, e temos ciência de que esse edital está prestes a sair, enquanto isso estamos cobrando. Então, há sim passos sendo dados.
Quais são as perspectivas e desafios para a Petrobrás neste ano de 2024, considerando as tendências atuais e as políticas governamentais?
São vários os desafios. A empresa ainda tem um desafio grande a cumprir dentro do que lhe cabe. Há resistência interna em relação a isso, mas nós acreditamos que ela será superada. Até porque começamos este ano de 2024 com o grande anúncio da retomada do trem dois da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que terá um impacto econômico e social para aquele estado e para a região do Nordeste. E assim como essa atitude, acreditamos que este ano teremos outras similares, como por exemplo a retomada do Comperj, em Itaboraí (RJ), além de outras obras e investimentos, como a encomenda de estaleiros construídos aqui, o que revitalizaria a indústria naval brasileira. Desafios enormes que fazem com que a Petrobrás volte a ser uma empresa para o Brasil, volte a atender não apenas os acionistas minoritários, mas principalmente o acionista controlador, que é a União e, por tabela, é o povo brasileiro.
Há uma necessidade, como já citei, de se buscar uma autossuficiência na produção de derivados de petróleo, para que o Brasil não fique mais dependente de nenhuma importação. E é necessário também que se avance na transição energética. Até agora não vimos grandes projetos nessa área sendo anunciados neste primeiro ano de mudança de gestão. Esperamos que em 2024, projetos como o de uma refinaria verde possam ser anunciados. A Petrobrás é a maior empresa do Brasil e precisa voltar a ser uma empresa de energia, e não apenas de petróleo e gás. É uma empresa que precisa ajudar o país desenvolver energia própria e precisa fazer que a transição energética seja justa, dialogando com as comunidades que possam ser impactadas, com os trabalhadores e trabalhadoras, e que traga desenvolvimento não apenas econômico, mas também social. Acredito que esses sejam os principais desafios neste ano de 2024.
Além de tudo isso, nós temos a luta dos trabalhadores e trabalhadoras. A FUP tem como perspectiva central as grandes negociações que estão sendo feitas neste momento, como a retomada do custeio do plano de saúde para 70×30 e a aprovação da proposta elaborada pelo GT da Petros, para que a patrocinadora arque com sua dívida junto com o fundo de pensão. Além disso, temos outros temas que estão sendo negociados, como o plano de cargos e salários e um acordo nacional para as paradas de manutenção. E vamos, com certeza, continuar participando da construção da Petrobrás que acreditamos ser essencial para o Brasil.