“Não sou concursada, mas me considero petroleira”, afirma trabalhadora do Sindipetro

Há 21 anos no Sindipetro Unificado, Ednéia Vaz explica o sentimento pela categoria, demonstra tristeza pelo fechamento temporário das sedes para evitar o contágio do coronavírus, mas afirma: “vai chegar um momento de ir para o enfrentamento e eu vou estar lá”

“Eu acho que todo brasileiro deveria se sentir um petroleiro”, explica Néia (Foto: Arquivo)

Por Guilherme Weimann

Em todo relacionamento, algumas coincidências se colocam desde o primeiro instante. Muitas pessoas acreditam na espontaneidade desses acasos, na mesma medida em que outras tantas desconfiam dos sentimentos que não sejam construídos sem esforço contínuo.

Ednéia Vaz, 49 anos, nasceu em 9 de maio de 1971. Casualidade ou não, esse é o dia no qual se celebra o ofício dos empregados sindicais ou sindicatários. A data é ainda pouco conhecida e isso talvez demonstre a falta de visibilidade que esses milhares de trabalhadores espalhados pelo Brasil enfrentam, apesar da indispensabilidade das suas atuações cotidianas.

Aqui eu tenho muito orgulho. Eu não sou concursada, mas eu defendo essa categoria com unhas e dentes. Sou, sim, uma petroleira.

Ednéia Vaz

Fazer aniversário nesse marco comemorativo poderia ser uma mera eventualidade, mas há quase três décadas o seu significado vem ganhando cada vez mais relevo para Néia, como é conhecida entre os amigos de luta.

Néia entrou no sindicalismo pelos Químicos do ABC, logo migrou para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), mas foi no Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado – SP) que se encontrou, de fato.

“Aqui eu tenho muito orgulho. Eu não sou concursada, mas eu defendo essa categoria com unhas e dentes. Sou, sim, uma petroleira. E eu acho que todo brasileiro deveria se sentir um petroleiro, porque a Petrobrás é nosso patrimônio, nossa riqueza nacional”, admite, emocionada.

O orgulho de vestir o uniforme laranja da Petrobrás, que para os petroleiros é considerado uma farda de batalha, começou a ser construído em 1999, quando a estatal estava passando por intensos ataques do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Desde então, Néia viveu incontáveis greves, compartilhou momentos que de tão difíceis pareciam definitivos, estreitou laços que se transformaram em verdadeiras amizades e se tornou referência dentro de uma categoria que tem a seguinte frase como máxima: “uma vez petroleiro, sempre petroleiro”.

Pandemia

Todos esses anos, entretanto, não a impossibilita de se emocionar, muito pelo contrário. Com a chegada inesperada dessa pandemia do novo coronavírus e o esvaziamento repentino do “predinho”, Néia confessa que não conteve o choro.

“No início eu chorei muito. E vou chorar agora também. A gente passou por um processo de uma greve histórica [em fevereiro]. E o que aconteceu durante essa greve? A categoria tomou a casa deles. Daí, de um momento para o outro, acabou a greve e doeu muito. Sabe aquela tia ou aquele parente do interior que você vai na casa e que chora quando você vai embora, porque sente um vazio? Pô, cadê o povo? E aí vem a pandemia e tivemos que fechar tudo: ‘nossa, cadê o nosso predinho?’. O ‘predinho’ é o nosso sindicato. E agora? Cadê os meninos da Quinta Total?”, relembra.

Os “meninos” que Néia se refere são os aposentados da regional de Campinas do Sindipetro Unificado, que religiosamente compareciam às quintas-feiras no evento conhecido como Quinta Total, que mistura futebol, churrasco, sinuca e muitas amizades. Com o fechamento temporário do sindicato, para medidas de prevenção contra o contágio da Covid-19, a confraternização também foi suspensa.

Néia ao lado dos “meninos”, em manifestação pela liberdade de Lula (Foto: Arquivo)

“A minha preocupação em um primeiro momento foi bem essa: ‘poxa vida, os aposentados que frequentam a Quinta Total não podem mais ir até o sindicato. Esses meus aposentados vão entrar numa depressão profunda, porque tem que ficar em casa, trancados’. Por exemplo, o Fubá [Adilson Carlstrom] não pode mais conversar com o Boca [Silvio Marques], que trabalharam 40 anos juntos. Daí eu falei: ‘caramba, vamos fazer com que esses nossos aposentados tenham uma forma de interagir’”, explica.

Foi aí que Néia, junto com outros companheiros, decidiu criar um programa de rádio batizado de “Quinta Quarentena Total”, veiculado na Rádio Web Peão. “A rádio é uma oportunidade de ouro. Um Fubá, um Osvaldinho [Osvaldo Francelino Miguel] não gostam de mandar mensagens pelo WhatsApp. O próprio Osvaldinho e Fubá, apesar deles não saberem lidar com as redes sociais, aprenderam a ouvir o programa, na Rádio Web Peão. Pedem ajuda para um filho ou alguém da família”, relata.

Apesar desse esforço, Néia admite que os aposentados são os que mais estão sentindo o isolamento social que o momento exige. “Aquele prédio é a casa deles. Tanto é que tem alguns aposentados que baixam lá de final de semana, no domingo. Eles falam para a esposa: ‘ah, eu vou comprar um frango’. Mentira, eles vão lá no sindicato. Eles chegam, percebem que tem muita folha, varrem todo o estacionamento, deixam tudo limpinho. É uma coisa maluca. Eles estão sentindo falta de ir para a casa deles. E eu estou morrendo de saudade daquela ‘veiarada’”, reconhece.

Vamos à luta

Todos os desdobramentos econômicos e sociais decorrentes da crise sanitária provocada pela maior pandemia do último século não impediram que a atual direção da Petrobrás aprofundasse seu projeto de retirada de direitos e privatização. Encabeçada pelo presidente Roberto Castello Branco, a estatal negligenciou as medidas necessárias para evitar a contaminação dos trabalhadores, cortou salários e anunciou a venda de ativos.

A Petrobrás é a nossa riqueza que eles pretendem vender à preço de banana. Mas eu acho que não vão conseguir.

Ednéia Vaz

Na opinião de Néia, todo esse movimento tem origem na retirada da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e tem como objetivo a apropriação de uma das maiores descobertas de petróleo do século. “Todos esses ataques que vieram desde o impeachment da Dilma é por conta do que? Do nosso pré-sal. É por conta da nossa riqueza. A Petrobrás é a nossa riqueza que eles pretendem vender à preço de banana. Mas eu acho que não vão conseguir”, opina.

Néia junto aos companheiros Luiz Gushiken, Julio Bianconi (ao fundo), Tereza Tateama e Jacó Bittar, na sede de Campinas do Sindipetro (Foto: Arquivo)

Néia acredita que a população brasileira, e não apenas a categoria petroleira, dirá um basta às entregas do patrimônio nacional que está em curso. “Vai chegar um momento de ir para a guerra, para o enfrentamento, e eu vou estar lá, sempre junto com os petroleiros. Porque nós somos petroleiros. E os aposentados também. Nem se for de bengalinha ou cadeira de rodas. ‘Vamos defender a Petrobrás?’. ‘Bora’”, afirma.

Esse otimismo e disposição de luta é regado semanalmente por uma música, sempre a mais pedida na Quinta Quarentena Total, que ganhou contornos de hino. “Você sabe a história da música ‘Vamos à luta’, do Gonzaguinha? Na greve dos petroleiros de 1983, o Gonzaguinha fez um show chamado ‘Vem Ser’. Então é assim: ‘eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão’. Essa música é maravilhosa. Até um tempo atrás a gente tinha o cartaz do show. Então é assim, podem tentar de tudo, mas não vão conseguir acabar com essa categoria”, garante Néia.

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