Em live, trabalhadores apontaram que a recente aprovação do marco regulatório do saneamento evidencia problemas que os brasileiros enfrentam há anos e abre questionamentos sobre a eficácia da privatização de estatais
Na última sexta-feira (24) foi ao ar mais uma edição do Sindipapo, série de lives produzidas pelo Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado-SP). Mediada pelo jornalista Luiz Carvalho, o tema da conversa foi o novo marco regulatório do saneamento, apontado como forma de privatizar a água.
Para discutir o assunto, participaram da conversa Gilberto Cervinski, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Andressa Delbons, diretora da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindipetro Caxias, e Ary Girota, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas indústrias da purificação e distribuição de água e em serviços de esgotos de Niterói e região (Sindágua-RJ).
Em um cenário pandêmico, que desencadeou diversas crises em todo o mundo, o marco regulatório do saneamento básico foi aprovado no Senado, no último dia 24 de junho. Como pano de fundo, o que está colocado é um déficit no tratamento básico de resíduos que afeta 100 milhões de brasileiros, além da falta de acesso à água que atinge 20% da população.
Ainda, o Brasil detém 12% de toda água doce do mundo e isso representa um cenário propício para apropriação do capital estrangeiro no setor. “O capital internacional vê aqui uma possibilidade de criar mercadoria e negócios muito lucrativos”, afirma Gilberto Cervinski.
Além disso, para ele, o que os governantes querem fazer com a venda da água é o mesmo que fizeram com o setor elétrico brasileiro. “No saneamento querem privatizar somente as melhores áreas, assim como aconteceu com o setor elétrico, que ignorou as periferias. Só querem transferir essa existência para a iniciativa privada e aumentar as tarifas, lucrando bilhões”, declarou o coordenador do MAB.
Privatização de estatais
Uma das principais formas de se evitar o contágio pela covid-19 é através de medidas básicas de higiene, como, por exemplo, lavar as mãos. Contudo, o estado do Rio de Janeiro vem sofrendo com a falta de água potável, e a única resposta do governo estadual é a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), estimulada pelo marco regulatório do saneamento.
“Nenhuma empresa privada de saneamento que opera no Rio de Janeiro conseguiu universalizar a entrega de água e promover o esgotamento sanitário nas comunidades cariocas”, afirma Ary Girota, do Sindágua-RJ, ao contestar o argumento de que a privatização causa uma melhora do saneamento.
Cervinski ainda lembrou que empresas privadas de saneamento já atuam no Brasil há cerca de 20 anos. “Essa reformulação foi feita com um único objetivo, que é acabar com os obstáculos legais que impediam a privatização das empresas públicas”, explicou o militante, mostrando a ineficiência em se vender estatais.
Para ele, acreditar em uma universalização da água por meio da privatização é uma ingenuidade e traz diversas consequências para a população. “[Os compradores] não estão preocupados com a qualidade e universalização da água, essa ideologia serve para convencer os mais ingênuos”, reiterou o coordenador do MAB, garantindo que a consequência será uma piora nos serviços de abastecimento e um aumento das tarifas.
Consequências aos trabalhadores
Até o momento, o presidente da empresa anunciou que 80% dos funcionários efetivos da CEDAE serão demitidos caso a privatização seja, de fato, concretizada. Para Andressa Delbons, a crise da estatal carioca de saneamento é semelhante à enfrentada pela Petrobrás. “Primeiro ocorre uma piora com difamação e sucateamento da empresa para, assim, vendê-la”, alega a petroleira, que também afirma que essa estratégia é sistêmica na venda das estatais.
Para Girota, o sucateamento da companhia durante a pandemia obriga os funcionários que permaneceram na empresa a se reinventarem. “Apesar de toda opressão e da crise provocada, os trabalhadores têm se dedicado em recuperar a imagem da empresa e levar água aos moradores do Rio de Janeiro”, desabafa ao relembrar dos dias intensos e incansáveis de trabalho.
Indicação de livros e filmes:
Gilberto Cervinski recomenda a todos que assistam ao curta-metragem produzido pelo MAB: Guapiaçu – um Rio (de Janeiro) ameaçado e leiam o artigo “A sobrecarga de tarifa na vida do povo brasileiro“;
Ary Giroto indica o portal Ondas – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento e o livro Água pacto azul: a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no mundo, de Maude Barlow;
Andressa Delbons sugere a leitura (gratuita) de Desinvestimento e Desregulação da Indústria de Óleo e Gás: O caso brasileiro e as lições internacionais, dos pesquisadores do INEEP William Nozacki e Rodrigo Leão.