Paralisada devido à pandemia do coronavírus, tradicional confraternização dos petroleiros aposentados de Campinas se recria como programa de rádio
Por Guilherme Weimann
Há 12 anos, de forma ininterrupta, a Quinta Total está na agenda de petroleiros aposentados, e alguns da ativa, que se reúnem na sede de Campinas (SP) do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado – SP) para jogar futebol e sinuca, assar uma carne, colocar a prosa em dia, beber uma cerveja e se consultar com o “doutor Pedro” – apelido carinhoso que foi dado ao conhaque da marca Pedro Domecq.
O idealizador e aposentado Adilson Carlstrom, mais conhecido como Fubá, relembra como foi a gestação da Quinta Total. “Antes a gente ia tomar uma cerveja no Bar do Nenê, ali no Largo do Café, no Taquaral, depois do futebol. Foi aí que pensamos em mudar o futebol para as quadras atrás do sindicato. Começamos com o futebol e o churrasco na sequência. Depois surgiu o negócio do snooker”, recorda.
Fubá admite que o futebol durou poucos minutos para ele. “Eu fui todo vestido para o futebol, com short, meias e tudo mais. Mas logo que entrei em campo me deu uma tontura. Fazia um cinco anos que eu não jogava. Daí já sai e, desde então, fiquei mais com a parte do churrasco”, confessa.
Fundado em julho de 2008, o evento semanal se solidificou e ganhou cada vez mais adeptos ao longo dos últimos 12 anos. Há três meses, entretanto, a Quinta Total teve que ser interrompida por tempo indeterminado devido às medidas de segurança adotadas pelo Sindipetro Unificado para evitar a contaminação e propagação da Covid-19.
Com isso, Fubá reconhece que nas terças-feiras já começa a sentir um comichão, que aumenta nas quartas-feiras e se transforma em angústia nas quintas-feiras. “Na terça-feira a gente já começa a sentir falta. Quando chega quarta-feira dá aquela sensação triste, porque é o dia que a gente fazia compra para a Quinta Total. Quem fazia as compras era eu e o Hugo. Agora chega quinta-feira e bate aquela angústia”, desabafa.
Saudade de casa
Desde o início da pandemia, o celular de Ednéia Vaz não fica mais de 10 minutos sem tocar. Trabalhadora do Sindipetro Unificado há 21 anos, Néia está recebendo todas as ligações da sede do Unificado de Campinas no aparelho do Sindipetro que utiliza.
“As ligações do sindicato estão direcionadas para o celular que eu uso. Então, eles ligam por um motivo ou outro: ‘já sabem quando vai voltar?’. Eu respondo: ‘pô, meu, não pode, você tem que ficar em casa’. Eles falam: ‘mas será que o banco está aberto?’. Daí eu tenho que falar: ‘não pode, você tem que ficar em casa, o vírus está pegando todo mundo’. E aí eles ligam sempre, cada um por algum motivo diferente. Na verdade, uma desculpa diferente. Mas todos perguntam: ‘quando o sindicato vai abrir?’. Eles dizem sempre: ‘eu preciso voltar para a minha casa’”, relata.
Os “meninos”, como Néia costuma chamar os aposentados, estão todos deprimidos por não poderem frequentar sua própria “casa”. O “predinho”, como foi apelidada carinhosamente a sede do Sindipetro Unificado, é praticamente um segundo lar para colegas que se conhecem há 30, 40 e até mesmo 50 anos desde quando começaram a trabalhar na Refinaria de Paulínia (Replan).
“Aquele prédio é a casa deles. Tanto é que tem alguns aposentados que baixam lá de final de semana, no domingo. Eles falam para a esposa: ‘ah, eu vou comprar um frango’. Mentira, eles vão lá no sindicato. Eles chegam, percebem que tem muita folha, varrem todo o estacionamento, deixam tudo limpinho. É uma coisa maluca. Eles estão sentindo falta de ir pra casa deles. E eu estou morrendo de saudade daquela ‘veiarada’”, reconhece Néia, emocionada.
Quinta Quarentena Total
Para minimizar essa tristeza causada pelo isolamento social que o momento exige, Néia teve a ideia de criar um programa de rádio. “Eu pensei que esses meus aposentados entrariam em uma depressão profunda, por terem que ficar em casa, trancados. Daí eu falei: ‘caramba, vamos fazer com que esses nossos aposentados tenham uma forma de interagir’”, explica.
Foi aí que, junto com Gustavo Marsaioli, coordenador regional do Sindipetro Unificado, Néia criou o programa batizado de “Quinta Quarentena Total”, que está sendo realizado todas as quintas-feiras, das 12h30 às 15h, e veiculado na Rádio Web Peão.
O coordenador e narrador do programa, Carlos Salgado, aponta o estímulo para o surgimento dessa nova iniciativa. “A Quinta Total é a cara da categoria, sobretudo dos aposentados, espaço de convivência com uma religiosidade incrível. Essa é nossa inspiração para manter o vínculo, esse contato que agora tem que ser feito à distância durante a quarentena”, afirma.
Com isso, os petroleiros tem utilizado esse espaço para enviar histórias, relembrar causos e pedir música. “Impossível substituir a Quinta Total, somos um subproduto dela, uma nova forma de vivê-la. Talvez depois dessa quarentena maluca a gente volte sabendo valorizar mais a alegria e a simplicidade de almoçarmos juntos lá nas quintas feiras…”, avalia Salgado.
Néia é uma das que sempre pedem para tocar uma canção. “Você sabe a história da música ‘E vamos à luta’ do Gonzaguinha? Na greve dos petroleiros de 1983, o Gonzaguinha fez um show em Campinas em apoio à categoria. A letra é assim: ‘eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão’. Essa música é maravilhosa. Até um tempo atrás a gente tinha o cartaz do show. Então é assim, podem tentar de tudo, mas não vão conseguir acabar com essa categoria”, completa.