Momento é de mobilizar as bases contra o neoliberalismo, diz Sérgio Amadeu

Para o especialista em mídias digitais, não basta trocar nomes no governo sem mudar o sistema

(Foto: Agência Brasil)

Por Luiz Carvalho

Cada vez mais isolado em uma trincheira formada pelas alas mais radicais da extrema-direita, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) perdeu apoio até mesmo nas redes sociais fundamentais para elegê-lo.

De acordo com dados da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP-FGV), no debate público sobre coronavírus em março, enquanto os perfis anti-Bolsonaro atingiram a marca de 20% das interações na redes, os favoráveis ao presidente chegaram aos 10%.

Para o sociólogo, Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e referência no debate sobre comunicação digital Sérgio Amadeu a mudança no cenário é resultado do alastramento da pandemia de coronavírus por todas as faixas sociais.

Em entrevista, ele defende que a incompetência de Bolsonaro para gerir o país e apresentar projetos e ideias se tornou mais clara quando os impactos se fizeram presentes também na vida de quem está mais próximo do topo da pirâmide econômica.

Sérgio Amadeu ressalta ainda que os efeitos da pandemia escancaram a falência do projeto neoliberal, defensor de menos Estado, e apontam a urgência de que forças progressistas como o movimento sindical discutam outro modelo de desenvolvimento.

Para que esse debate tenha sucesso, aponta, é necessário conhecer, saber dialogar com as bases e aliar isso a ações práticas de solidariedade aos trabalhadores mais fragilizados durante a crise.

“O governo Bolsonaro transformou a desinformação em política pública e isso também ficou claro com a pandemia”, destaca Amadeu (Foto: Agência Brasil)


Como você tem visto as polarizações que o coronavírus tem produzido nas redes sociais?
Sérgio Amadeu –
Logo que as autoridades de saúde detectaram a necessidade de medidas mais fortes para conter a pandemia, como o isolamento social, os grupos de extrema-direita começaram a ficar restritos. Existia uma ampliação e um apoio de uma direita mais tradicional aos grupos bolsonaristas, mas esses grupos, por conta do governo desconsiderar questões óbvias de segurança e saúde pública, começaram a ficar bastante isolados.

Eles têm muito robô, dinheiro, praticam desinformação, mas isso está sendo cada vez mais percebido por outros segmentos que não se importavam até agora. Enquanto estava só um debate sobre a política nacional, as definições econômicas, questões que para muitos segmentos poderia parecer distante, havia apoio. Mas a posição desses grupos de extrema-direita passaram a afetar diretamente a vida das famílias em geral e a posição dos bolsonaristas passou a ser algo absurdo e sem qualquer bom senso, o que levou à articulação por meio das redes de panelaços, por exemplo.

Você acredita que esse isolamento já é capaz de escancarar o radicalismo dessa extrema-direita?
Sérgio Amadeu – Não dá para saber ainda. O que dá para afirmar agora é que está ficando claro o quanto o presidente é incapaz de conduzir o país diante da crise sanitária e também econômica que, inclusive, já existia antes, mas foi agravada pelo isolamento social.

Não dá para saber o resultado pós-pandemia, porque já há um descolamento, ao menos no momento, de forças no parlamento que tinham interesse na política econômica do Bolsonaro, como é o caso do Rodrigo Maia. Ele precisa conciliar a resposta à pandemia com a ideia de aproveitar esse governo implementar fundamentos neoliberais de corte de serviços sociais, diminuição do Estado, privatização de empresas e o fim dos direitos trabalhistas.

O governo Bolsonaro transformou a desinformação em política pública e isso também ficou claro com a pandemia. As pessoas já viam o trabalho de desinformação que ele praticava o tempo todo, mas agora isso coloca em risco a vida das pessoas.

Mais pessoas se conscientizaram sobre quem ele é, mas ainda não dá para saber exatamente se o bolsonarismo ficou reduzido ao que ele é, uma base sustentada pelo núcleo duro do fascismo. Que era menos do que 15% de seus eleitores. Precisa ver se o apoio a ele já se retringe a essa área. Eu acredito que não, mas a cada dia ele vai se isolando mais.

A resposta à convocação da população pelo Bolsonaro por meio da campanha “O Brasil não poder parar” foi um fracasso. Mas a tendência é que com o agravamento da crise as pessoas comecem a ficar ainda mais temerosas com o futuro. A crise pode gerar uma identificação com o discurso do presidente?
Sérgio Amadeu –
Eu acho que haverá uma disputa política nas redes. Resta saber se os sindicatos, os movimentos sociais, as forças que defendem a democracia e os direitos humanos vão colocar em pauta a necessidade de romper com o neoliberalismo. De acabar com essas ficções contábeis, deixar de dar dinheiro para o capital financeiro, acabar com o teto de gastos e financiar pessoas. É isso que os países sérios estão fazendo, colocando dinheiro para que a população consiga manter níveis mínimos de consumo.

Tem que haver políticas públicas de contenção da crise e isso passa pelo governo, ao invés de gerar recursos para os grandes capitalistas, gerar para população mais carente. Mas isso não se faz dando dinheiro para bilionários e sim dando recursos para quem irá consumir.

Já ficou claro que o mercado e as grandes corporações não conseguem oferecer saúde à sociedade, mantê-la segura, inclusive com segurança alimentar. Em 2008, o mercado já foi salvo pelo Estado e mais do que nunca é preciso que o Estado coloque recursos em circulação para a população que precisa se manter viva. E que não vai poupar, mas sim investir no pequeno comércio, que irá pagar os intermediários e fará girar a roda da economia.

Cortar salários é um erro, significa reduzir consumo de trabalhadores e é o que o Bolsonaro e o Paulo Guedes querem fazer, uma política absurda, equivocada e que vai gerar mais desgraça do que o coronavírus.

Então, vamos uma batalha política e se os sindicatos não assumirem a luta contra o neoliberalismo, de fato podemos ter uma parcela da população, que precisa sobreviver, se aliando ao discurso do Bolsonaro.

As forças democráticas oferecem alternativas para quem não concorda com a atuação do governo? Há bandeiras claras de resistência?
Sérgio Amadeu – Acho que está ficando claro, o projeto de renda mínima, por exemplo, foi aprovado recentemente no Congresso, que está ainda aguardando a publicação da sansão presidencial num momento que exige extrema celeridade. É fundamental esse conceito de renda básica porque faz a economia crescer.

Nesse momento de demanda baixa, colocar recursos na mão da população não vai gerar pressão inflacionária, essa também é uma questão.

A esquerda precisa colocar mais essas plataformas em circulação, é preciso denunciar o neoliberalismo e suas falácias. O ordenamento mundial hoje é neoliberal e é preciso romper com isso.

O Bolsonaro não é o único problema, não adianta tirar ele, colocar o Mourão e vir um economista que faça ajustes neoliberais não adianta nada. O país continuará aumentando concentração de renda, miserabilidade e a necropolítico, matando a população mais pobre.

Quais estratégias de comunicação podem ser adotadas para ajudar no efetivo rompimento com o modelo neoliberal neste momento em que não é possível ir às ruas para fazer a luta?
Sérgio Amadeu – Primeiro, uma medida básica. A maior parte da população acessa a Internet com planos pré-pagos de celular e nosso parlamentares anti-neoliberais, de esquerda, devem exigir que neste período de isolamento social todo plano pré-pago não possa ser desligado. Que as pessoas possam manter sua conectividade sem ter de pagar a mais. Essa é uma medida fundamental que está sendo tomada em outros países.

Segundo, os parlamentares progressistas, partidos, sindicatos devem aproveitar a conectividade e entrar em contato com sua base e chama-la a pressionar na rede, mostrar adesão à luta anti-neoliberal.

Terceiro, precisam ter propostas contra o neoliberalismo, uma delas é romper o teto de limite de gastos, avaliar quanto de recurso precisa para salvar pequenas empresas, para que mantenham trabalhadores sem corte de salário, impedindo o corte de salário de qualquer categoria.

Isso tudo deve ser acompanhado pela mobilização convocada por setores progressistas, como os sindicatos, às bases pelas vias digitais. A maior parte deles ainda não fez isso.

Não existe uma única forma, uma fala mágica, cada entidade deve avaliar o perfil de suas bases. É preciso fazer redes de solidariedade, como o movimento negro tem feito, a Uneafro mapeou quem estava sem renda, levantou recursos e está dando cesta-básica para professores de cursinhos populares e para quem fica no entorno das associações e não tem o que comer. Está fazendo cozinhas comunitárias, principalmente para ajudar crianças que se alimentavam na escola.

Mas há estrutura para fazer isso e receptividade da população para participar desse debate?
Sérgio Amadeu –
Sem dúvida, existe ainda uma grande organização popular, o sindicalismo caiu muito, mas tem uma organização mínima que permite reagir.

Deve identificar quais trabalhadores mais precisam de ajuda, mobilizar grupos que podem não ser tão politizados, mas que é possível formar por meio da solidariedade. Não é só fazer luta política, mas também ações concretas de apoio. Porque o Bolsonaro não coloca em jogo apenas a economia, mas também a saúde da população em geral.

 

 

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