Petroleiro aposentado da Refinaria de Paulínia, Wilson Santarosa foi presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas, conselheiro da Petros e gerente executivo de Comunicação da Petrobrás por 12 anos
Por Guilherme Weimann
No século XIX, um filósofo alemão afirmou que “a vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”. Esse, com certeza, não é o caso do menino nascido no dia 28 de outubro de 1949, na cidade de Americana, no interior de São Paulo, que atualmente possui 73 anos e uma memória impecável, apesar da vasta galeria de recordações de uma vida que, com certeza, escapa à normalidade.
Mas se a trajetória pessoal de Wilson Santarosa possui uma singularidade única, a sua ascendência remete a uma história compartilhada por milhares de pessoas que migraram para o Brasil no início do século XX. Seu “nonno”, como até hoje se refere ao seu avô, nasceu em uma região da Itália chamada Pordenone, próxima à Eslovênia, e migrou para o interior paulista, junto com a sua família, quando tinha apenas oito anos de idade.
Foi neste contexto, de uma família de migrantes italianos, que nasceu Paulo Oscar Santarosa. “Eram colonos, não eram donos de nada. Entre eles, só falavam em um dialeto da região de Pordenone, que era mistura de italiano com esloveno”, relembra.
E esse isolamento, tanto cultural como territorial, durou por muitos anos. “Minha mãe, chamada Dora Morelli Santarosa, me contou que quando se casou com meu pai, ela começou a ensinar português para ele, porque ele não sabia falar direito. Ele falava o dialeto que o pai dele falava. A família toda só falava isso. Eles não iam para a cidade nem se vacinar, porque levava um dia”, recorda.
Mas, quando o pequeno Wilson tinha apenas quatro anos, a vida da sua família mudou. O êxodo da área rural para a região central de Americana ocorreu quando o pai passou no concurso da CPFL, na época sob o controle estrangeiro da American & Foreign Power, subsidiária da General Eletric (GE).
Foi no centro urbano da pequena cidade da Microrregião de Campinas, distante 126 quilômetros da capital, que Wilson cresceu e se formou, nos mais diversos sentidos. Um deles, com certeza, foi no manejo apurado da bola nos campinhos de várzea.
“Uma vez eu vim pra Campinas de trem escondido do meu pai. E da estação fui a pé até o campo da Ponte Preta. Lá me deram uma chuteira 43, e eu calçava 41. Porque tinha que levar a própria chuteira, mas eu não tinha e o roupeiro me deu uma 43. No final da peneira, ele me deu um dinheiro da passagem de volta e um dinheiro da passagem para eu voltar na semana seguinte. Bom, eu cheguei em casa de noite, meu pai me olhou e perguntou: ‘Onde você tava moleque?’ Eu falei: ‘Ah, eu fui pra Campinas. ‘Fazer o quê em Campinas?’ ‘Eu fui treinar na Ponte Preta.’ Nossa senhora, ele ficou doido. Ele tomou o dinheiro e falou: ‘Futebol não dá camisa para ninguém, você vai estudar.’”
E, apesar de contrariado no início, o filho acabou seguindo a ordem do pai. No Ginásio Vocacional de Americana, aprendeu grande parte do conhecimento utilizado ao longo da vida. “Era uma escola diferente de todas as outras. Começávamos às 7h da manhã e saíamos às 5h da tarde. Aprendi de tudo: além do currículo normal, como matemática, geografia, história e português, aprendi inglês, latim, francês, artes plásticas, música, muitos esportes, práticas comerciais e agrícolas. Era uma escola revolucionária”, opina.
Foi lá, inclusive, que deu os primeiros passos na carreira política e administrativa. “O professor de práticas comerciais disse que iríamos fundar uma cooperativa e os alunos a dirigiriam. A cooperativa vendia materiais escolares, mantimentos e tinha um banco. Todos os alunos tinham conta no banco para comprar materiais e mantimentos na cantina e pagavam com cheques. Foi aí que fizemos uma eleição para escolher quem dirigiria o banco, a cantina e a cooperativa. Formaram-se duas chapas, uma dos ricos e outra dos pobres – eu estava na chapa dos pobres. Mas tinha um cara que era o mais rico da cidade e não ia muito com os caras da chapa dos ricos. Ele sempre jogava bola com a gente. E, na eleição, esse cara disse: ‘Nós vamos comprar balas e pirulitos. E na hora do comício de vocês, nós vamos distribuir balas e pirulitos’. E nós ganhamos a eleição assim”, rememora, sorridente.
Trabalhador
Com o endurecimento do regime militar, em 1968, o Ginásio Vocacional foi fechado. E foi justamente nessa época que Wilson Santarosa começou a trabalhar como escriturário e se formou como contador.
Em 1972, ano de inauguração da Refinaria de Paulínia (Replan), ouviu pela primeira vez do pai o conselho de prestar o concurso da Petrobrás. “Eu disse ao meu pai que não queria ser ‘peão’, que preferia ser contador. Então continuei trabalhando e não fiz o concurso. Meu pai sempre me cutucava para ir fazer o concurso, mas eu resistia”.
Mas, em 1975, ao se deparar com um edital da Petrobrás em um jornal de Americana acabou cedendo ao orgulho e decidiu se candidatar a ‘peão’: “Salários e benefícios somados davam quatro vezes mais do que eu ganhava na época, foi aí que me convenci a prestar o concurso”.
E não apenas prestou, como passou no concurso: “Foi um perrengue depois de passar no concurso, porque eu tive que fazer um curso de três meses no Colégio São José, em cima da Lagoa do Taquaral, com uma média acima de seis em cada matéria. Como eu havia estudado contabilidade, as matérias de química e física eu não sabia nada. Na prova de química, pedi ajuda para um japonês que sentava do meu lado, mas ele disse que não me deixaria colar. No fim, chutei tudo e passei”.
E logo no primeiro dia de trabalho já participou do seu primeiro movimento sindical: “Reuniram todos os 80 contratados do concurso, incluindo eu, e nos mandaram dar baixa na carteira. Mas logo depois, o setor de treinamento disse que havia uma contraordem do Rio de Janeiro e que apenas alguns seriam selecionados para trabalhar na refinaria, e o resto seria dispensado. Um cara levantou e disse que ninguém deveria entregar os documentos, que se não contratassem todo mundo a gente iria para o Rio de Janeiro. Foi o primeiro movimento que participei, e acabou que contrataram todos. Esse foi o meu primeiro dia lá na Replan”.
Petroleiro
Na Replan, até hoje a maior refinaria do país, Wilson Santarosa se tornou operador de transferência e estocagem. E foi lá, também, que adentrou definitivamente no mundo da política. “Em 1978, o sindicato iniciou a arrecadação de dinheiro na base da Replan para ajudar os metalúrgicos do ABC que estavam em greve. Começamos a contribuir com dinheiro e esse foi um dos primeiros momentos de conscientização de classe que tive e que todos nós dentro da Replan tivemos”, admite.
Mas foi somente na histórica greve de 1983 que realmente adentrou na luta sindical. Liderada por Jacó Bittar, Francisco de Paula Garcia Caravante e Antônio Jesus José Alencar, a paralisação ocorreu simultaneamente na Replan e na Refinaria Landulpho Alves, na Bahia. “Primeiro a gente parou a produção com todos os cuidados. E aí depois a gente ficou brigando para eles fornecerem o ônibus para o Centro de Convivência, que é onde se reunia todo mundo”, lembra.
Apesar do ganho político, a greve de 1983 resultou em 349 demissões de trabalhadores, somadas as duas refinarias, incluindo toda a diretoria do Sindicato de Petroleiros de Campinas. Essa represália desencadeou uma onda de solidariedade, que teve como um dos pontos mais altos um show com vários artistas em Campinas, entre eles Gonzaguinha, para arrecadar dinheiro para as famílias dos demitidos.
Por outro lado, houve uma ruptura e uma transição política forçada dentro do sindicato. “Pela repressão, houve certa cisão. No início a gente se reunia muito com eles [Jacó, Caravante e Alencar], aí chegou um momento que nós mesmos conversamos entre nós e decidimos: ‘Ó, temos que começar a nos reunir só nós mesmos, porque estamos ficando dependentes dos caras e isso não é bom’. E aí nós conversamos com eles: ‘Deixa que tocamos o barco daqui pra frente, não é que a gente está expulsando vocês daqui, mas nós é que vamos decidir as coisas agora’. A gente tava com o lombo exposto, então tinha que começar a tomar decisões também”.
Sindicalista
Foi então que Wilson Santarosa entrou de vez na defesa dos direitos da sua categoria, a petroleira. Tornou-se, após a expulsão do interventor da ditadura de dentro das dependências do sindicato, tesoureiro da gestão que retomaria a organização dos trabalhadores, após a geração pioneira de sindicalistas.
“A política é a nossa vida, a vida de quem faz política e também a vida de quem não faz. Futebol é política. A igreja é política. E o sindicato nem se fala, né?! O sindicato é pura política. O sindicato é responsável pela conscientização ideológica do trabalhador. Ele tem que fazer isso. Ele tem que disputar ideologicamente com o patrão o tempo todo, porque o patrão faz isso o tempo todo. A Petrobrás é o nosso patrão e os gerentes são treinados para disputar ideologicamente os trabalhadores o tempo inteiro. Eles são treinados dessa forma. E nós temos que lutar no sentido inverso. É assim que funciona”, explica.
Na sua experiência sindical, destaca a greve de 1991: “Em tempo de duração de dias, a greve de 1995 foi a mais longa. Mas de parada de produção, foi a de 91. Parou tudo. Não saía nem uma gota de petróleo e nem de derivado. Pararam refinarias, plataformas, tudo”. Na época, estava na presidência do Comando Nacional dos Petroleiros, que posteriormente originou a Federação Única dos Petroleiros.
No ano seguinte, entretanto, após 20 anos de trabalho da Replan, decidiu se aposentar: “Na época, o Congresso Nacional estava discutindo a mudança da Previdência e os parlamentares diziam em acabar com a aposentadoria especial. Por isso, muita gente ficou apavorada e acabou sendo uma avalanche… em dois anos, cerca de 25 mil petroleiros se aposentaram, incluindo eu”.
Político
A aposentadoria não significou a saída de cena, muito pelo contrário. Foi justamente nessa época que Wilson Santarosa intensificou sua atuação na Central Única dos Trabalhadores (CUT) e, principalmente, no Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual chegou a ser candidato a vereador em Campinas, em 1996.
Foi também nessa época que se candidatou como conselheiro da Petros, a fundação que gerencia os planos de previdência complementar dos trabalhadores da Petrobrás. E foi nessa função que descobriu diversos déficits da fundação: “Ao escarafunchar, descobrimos que a Petrobrás não botou nenhum vintém por vários anos, apesar do acordo prever que ela botasse metade e o trabalhador metade de tudo que entrasse na Petros”.
Após sair da Petros, assumiu o Ceasa, em Campinas, na gestão do Toninho, assassinado nove meses após assumir o cargo de prefeito, em setembro de 2000. Logo depois de deixar o cargo, retornou ao sindicato e foi ali que ajudou a rascunhar o projeto Memórias, que pretendia colher depoimentos de diversos trabalhadores da Petrobrás para, a partir desse mosaico, contar a história da categoria.
“Sem referência, você não vai para lugar nenhum, não é? E a história é a nossa referência. Sem história não existe futuro. Se não, você vai ter que criar sempre a pólvora novamente, não é?! Você tem que olhar para trás, ver o que aconteceu e se referenciar naquilo para continuar crescendo”, reflete.
Criado em 2002, o Memórias conseguiu uma verba da Petrobrás ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O ano seguinte, entretanto, reservaria um outro patamar ao projeto e ao petroleiro Wilson Santarosa.
Gestor
Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial, o Brasil mudou completamente o sentido político, até então pautado pelo neoliberalismo. E a Petrobrás, nesse cenário, foi desde o princípio um dos carros chefes para o que viria a ser chamado de neodesenvolvimentismo.
Foi aí que Wilson Santarosa recebeu o convite para se tornar gerente executivo de Comunicação Institucional da Petrobrás, no início de 2003, cargo no qual foi responsável por uma revolução na imagem da empresa. “Desde o início, quando eu assumi, falei: ‘Ó, nada de contratar artista’. Queriam contratar a Ivete Sangalo, era esse o nível. Pode até chamar a atenção um artista, mas depois que ele para de fazer publicidade para a empresa leva toda a nossa imagem junto. Daí eu falei: ‘A partir de agora vai ser o trabalhador da Petrobrás que vai aparecer nas publicidades’”.
No Edifício Sede da Petrobrás (Edise), passou a gerenciar mais de 550 trabalhadores, incluindo 11 gerentes. E foi lá que elevou a marca da Petrobrás ao topo das empresas brasileiras: “Quando eu cheguei lá [no Edise], a Ipiranga era a marca mais respeitada no Rio Grande do Sul, por exemplo. A Petrobrás batia em 40%, a Ipiranga em 80% de aceitação. Quando eu saí de lá, a Petrobrás tinha uma aceitação de 97%. Em todos os estados, a marca da Petrobrás passou a ser a mais respeitada. E esse gesto [de bater no peito]? Esse gesto aqui fomos nós que criamos. Aliás, fui eu. Nós criamos a identidade da Petrobrás. E eu tenho muito orgulho disso”.
Wilson Santarosa permaneceu no cargo até março de 2015.
Sonhador
Depois de deixar o cargo, Wilson Santarosa, assim como outros gestores da Petrobrás durante o governo Lula, sofreu um processo de criminalização decorrente da Lava Jato. Entretanto, foi absolvido em todas as ações e, mais do que isso, não se deixou abater.
Muito pelo contrário: “O sonho nunca acaba, né?! A gente vai sonhar sempre depois que é mordido pelo bicho, não é?! E sempre vai lutar para que o país melhore, para que todos tenham saúde, educação, transporte, uma casa para morar, um teto para viver embaixo, um prato de comida. Isso a gente vai brigar sempre. Esse sonho não acaba… com 100 anos de idade, se eu estiver vivo, vou continuar sonhando”.
Atualmente com 73 anos, Wilson Santarosa é casado com a jornalista e empresária Geide Miguel Santarosa. Possui três filhas e cinco netos.