Ex-presidente do Sindipetro Campinas e ex-secretário geral da Petros, Wagner Lima relembra sua trajetória, incluindo a participação no resgate de três brasileiros e um colombiano capturados pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), em 1989
Por Guilherme Weimann
No dia 20 de abril de 1989, praticamente todos os jornais do país noticiaram a mudança no comando da Petrobrás, ocasionado por uma suposta quebra de hierarquia dentro do governo. O até então presidente da petroleira, Orlando Galvão Filho, havia entrado em uma queda de braço com o ministro de Minas e Energia, Vicente Fialho, e até mesmo com o presidente da República, José Sarney, em relação à escolha do nome para a Superintendência de Perfuração da empresa – na época, 100% estatal. O resultado foi a nomeação de Carlos Sant’Anna para a chefia da companhia.
Esse parecia ser um tema que reverberaria por alguns dias nos noticiários. Porém, um fato ocorrido no dia anterior, 19 de abril de 1989, centralizaria a pauta “Petrobrás” a partir do dia seguinte, 21 de abril, tempo necessário para que o episódio chegasse até os meios de comunicação do país, que dispunham das tecnologias mais avançadas da época, como telefone e fax.
“Três brasileiros sequestrados por guerrilheiros na Colômbia” foi o título da matéria do jornal O Globo, do dia 21 de abril. Os guerrilheiros, no caso, eram combatentes do Exército de Libertação Nacional (ELN), que desde meados da década de 1960 mesclavam o marxismo e o cristianismo em uma guerra contra o Estado colombiano e grupos paramilitares. O motivo do sequestro especulado pela reportagem, que depois foi confirmado pela própria organização revolucionária, era pressionar o governo a nacionalizar a exploração de petróleo no país.
Foi justamente por isso que os guerrilheiros atacaram com explosivos um campo de prospecção da Braspetro – subsidiária da Petrobrás focada na expansão da estatal para outros países –, localizado em Puerto Wilches, a 310 quilômetros de Bogotá, capital da Colômbia. Além de inviabilizar as instalações da unidade, o ELN ainda sequestrou quatro pessoas (o nacionalismo do jornal O Globo omitiu uma delas no título da matéria), três brasileiros e um colombiano.
O sequestro era uma prática comum da organização, utilizado como uma forma de pressionar o governo a atender seus pleitos. Do ‘lado’ brasileiro, foram capturados os engenheiros Augusto Carneiro Moreira Júnior e Paulo Roberto Paim de Oliveira, e o técnico em química José Roberto Reis. A lista ainda continha um colombiano, o petroleiro Oriel Santamaria.
Soberania nacional
Poucos meses antes do sequestro, em setembro de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte havia aprovado o texto final da Constituição Federal, ratificando o monopólio estatal do petróleo – que posteriormente foi quebrado durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) – e o turno de seis horas para os trabalhadores de refinarias.
Entretanto, esse direito previsto na Constituição – assim como vários outros – não foi colocado automaticamente em prática. Por isso, justamente naquele período em que os quatros trabalhadores foram sequestrados pelo ELN, os petroleiros da Refinaria Henrique Lage (Revap), localizada em São José dos Campos, localizada no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo.
“Quando surge essa notícia [do sequestro dos petroleiros na Colômbia], o Sindipetro de São José dos Campos estava começando a preparar uma greve pelo turno de seis horas. Eles defendiam a tese de que o turno de seis horas precisaria ter seis grupos [de revezamento de trabalhadores], e não cinco, como sempre foi”, recorda o então presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas, Wagner Luiz Constantino de Lima.
Nesse contexto, de conflito entre empresa e movimento sindical, os combatentes do ELN sinalizaram a possibilidade de negociar a libertação dos sequestrados. “Eu lembro que liguei da minha casa para a Petrobrás falando: ‘Olha, a gente tem possibilidade de estabelecer algum diálogo com os sequestrados via movimento sindical, talvez a gente consiga resolver essa situação’. Mas disse que eles precisariam resolver esse impasse em relação ao turno de seis horas. Eles negaram, disseram que a empresa quebraria caso acatassem essa demanda”, explica Wagner.
Mas, passado alguns dias, a Petrobrás recuou – não em relação ao turno de seis horas, mas em colocar o movimento sindical à frente do processo de negociação com o ELN, como descreve Wagner: “Eu estava na sede da CUT [Central Única dos Trabalhadores], em São Paulo, quando eles me ligam dando o sinal verde: ‘A gente concorda, vocês podem embarcar’. Eu lembrei que ainda perguntei: ‘Mas vocês vão bancar tudo, né?!’. Eles concordaram”.
A partir dessa sinalização, foi questão de poucos dias para Wagner arrumar as malas e seguir rumo à Colômbia acompanhado pelo diretor de Relações Internacionais da CUT, Oswaldo Bargas, e pelo presidente do Sindipetro do Rio de Janeiro, Mirth Xavier de Medeiros.
A comitiva
A comitiva sindical chegou em Bogotá no dia 30 de maio, uma terça-feira, após pernoitar um dia em Lima, no Peru. “Quando pousamos no aeroporto, rapaz… era só aviões americanos, aqueles camuflados, pra todo lado. Caramba, como a presença americana naquele momento era intensa…”, relembra Wagner.
Os brasileiros foram recebidos por sindicalistas colombianos, mas só. Não havia nenhuma representação oficial. “Fomos até a sede da Petrobrás na Colômbia, o gerente era um cara que eu já conhecia das mesas de negociação no Brasil. Perguntamos como ficaria nossa segurança e eles disseram que não podiam garantir nada”.
Depois, ainda tentaram contato na Embaixada, na Anistia Internacional e na Cruz Vermelha, sem sucesso efetivo: “Na Embaixada, os cara disseram: ‘Não é representação oficial, vocês estão por sua conta em risco’. Foi exatamente isso que foi dito pra nós. A Anistia Internacional: ‘Poxa, a gente não pode fazer nada. Não é nosso papel’. E a Cruz Vermelha: ‘Olha, tem que ver…’. Ou seja, não tivemos nenhum apoio”.
Mesmo assim, eles continuaram as negociações: “O nosso contato era sempre através dos sindicalistas colombianos, eles eram os nossos porta-vozes. Se você assistir a coisa que aconteceu com o Caco Barcellos [que fez uma reportagem sobre o sequestro dos petroleiros na Colômbia, publicada no Globo Repórter], é mais ou menos a mesma coisa que aconteceu com a gente. No dia seguinte da nossa chegada, no café da manhã, um dos sindicalistas foi lá conversar com a gente: ‘Olha, recebemos a orientação que vocês precisam pegar um avião e ir para Bucaramanga, uma cidade que fica a uns 300 quilômetros daqui, da capital. Lá vocês se hospedam nesse hotel e aguardam contato’. E aí começou mais uma jornada”.
Em um avião fretado pela Petrobrás, a comitiva sindical viajou então à Bucaramanga, capital do distrito de Santander, na região Nordeste da Colômbia: “Quando chegamos no hotel já era tarde. Era um hotel em estilo colonial. Quando começamos a jantar toca o telefone lá dentro e o rapaz da recepção fala: ‘Bargas? Teléfono’. O Bargas voltou da recepção e disse: ‘Temos que sair daqui em uma hora, ir para um bar pegar um recado que eles vão deixar na porta do banheiro desse bar’”.
O bar, segundo Wagner, estava localizado próximo ao hotel. Por isso, foram a pé até o local, que estava aberto, mas sem nenhum cliente: “Perguntei onde era o banheiro: ‘¿Baño? ¡Arriba!’. Fomos até o banheiro, mas a porta estava toda borrada. O Bargas já disse: ‘Não tem nada aqui’. Decidimos esperar, pedimos cerveja, ficamos mais de uma hora nessa. Até que cansamos e decidimos voltar ao hotel”.
Foram poucos minutos de caminhada no retorno ao hotel: “Quando entramos no hotel, no momento em que colocamos o pé na recepção, toca o telefone. O Bargas atende e não diz nada, apenas escuta: ‘Peguem o avião novamente com destino a Barrancabermeja, quando chegarem lá procurem a Casa Episcopal, do bispo’. Acordamos cedo no dia seguinte e pegamos o avião pra lá”.
O resgate
Barrancabermeja, cidade localizada a 120 quilômetros de Bucaramanga, abriga a maior refinaria de petróleo da Colômbia: “Quando descemos no aeroporto, pegamos um táxi direto pra casa do bispo. A casa episcopal tava lotada, cheia de gente. Nos apresentamos e dissemos que precisávamos falar com o bispo. Foram chamar o bispo, que confidencialmente diz que não recebeu ainda nenhum recado, mas aconselha para esperarmos”.
Depois de cinco minutos: “Entra um rapaz que devia ter uns 19, 20 anos… ‘Bargas?’, ele pergunta. ‘Sim, Bargas’, respondemos. O cara bota a mão no bolso e… puta que pariu! Caem dois cartuchos de bala do bolso. Deu um frio na espinha. Mas no bolso também tinha um papel com o endereço e as orientações de onde tínhamos que ir. Tínhamos que pegar um táxi e seguir dali direto para o endereço indicado”.
Os sindicalistas saem da Casa Episcopal e tomam um táxi rumo ao local determinado pelo ELN. Ao se aproximarem do endereço informado, perceberam que era a sede do Sindicato dos Petroleiros, totalmente cercado por tanques do Exército colombiano. “A gente olha pra tudo aquilo e se pergunta: ‘O que está acontecendo?’. Lá, tinham acabado de chegar os três brasileiros e o colombiano sequestrados”.
De acordo com Wagner, havia uma grande aglomeração de soldados e profissionais da imprensa que chegavam para captar o momento da chegada dos ex-reféns: “O coronel que comandava aquela tropa entrou e disse que queria interrogar os petroleiros que haviam sido libertados. Mas o Bargas foi incisivo: ‘Não, eu sou o responsável pelos brasileiros e vocês não podem interrogá-los’. O coronel engoliu em seco e pediu uma conversa de cinco minutos, que o Bargas aceitou, com a condição de permanecer junto aos três brasileiros”.
No meio desse tumulto generalizado, a imprensa insistiu para Wagner responder a algumas perguntas, a primeira delas justamente sobre o monopólio estatal do petróleo: “Eu falei o que pensava. Que era a favor do monopólio estatal do petróleo. Que no Brasil fizemos um grande movimento para garantir o monopólio estatal do petróleo na Constituição Federal e que, por isso, entendia a reivindicação dos guerrilheiros”.
Depois disso, foram ao aeroporto de Barrancabermeja. De lá, tomaram um voo a Bogotá, onde foram recebidos pela mesma Embaixada que havia negado segurança: “O embaixador já estava lá nos esperando para as fotos”.
A comitiva chegou ao Brasil no dia 3 de junho, com dois dos sequestrados: José Roberto Reis e Augusto Carneiro Moreira Júnior. O terceiro sequestrado, Paulo César Paim de Oliveira, decidiu permanecer em Bogotá, onde residia com a família. O título da matéria do jornal Folha de S. Paulo, do dia 4 de junho, um domingo, apontou: “Ex-reféns brasileiros ganham presente da guerrilha”. O presente era um tênis da marca Reebok, de cano longo, que ajudou na caminhada de três horas de retorno do acampamento onde foram mantidos reféns.
A mesma reportagem destacou o papel dos sindicalistas brasileiros: “A Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Brasil participou da intermediação com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional para a libertação dos engenheiros brasileiros sequestrados na Colômbia. Segundo o engenheiro Augusto Carneiro Moreira, o grupo decidiu liberá-los há dez dias, mas queria a presença de representantes de uma central sindical brasileira e da Unión Sindical Obrera (USO), em Barrancabermeja […]”.
Wagner Lima, Oswaldo Bargas e Mirth Xavier, que foram os responsáveis pela libertação dos três brasileiros sequestrados, não receberam nenhum agradecimento formal da Petrobrás ou do governo brasileiro no retorno ao país.
Apenas seis meses depois, Wagner recebe uma ligação em sua casa: “Era do governo, queriam me agraciar com o grau de comendador. A princípio eu neguei, achei sacanagem. Não nos deram nenhum apoio, nem no sequestro nem no retorno ao país, e depois de seis meses queriam nos dar uma medalha? Mas daí eu liguei pro Bargas e decidimos aceitar”.
No dia 6 de dezembro de 1989, Wagner Luiz Constantino Lima se tornou comendador do Brasil, por meio de um diploma assinado pelo então presidente da República José Sarney. Esse título, porém, serve apenas para relembrar com galhardia essa história: “Eu sempre recordo de uma frase de um companheiro, o [João] Batista [Góes de Almeida] que já nos deixou: ‘Tem gente que faz currículo e tem gente que faz história’. E a história é feita de memórias”.
Trajetória
Seu Benedito, mineiro da cidade de Andradas, e dona Nair, paulista de São Joaquim da Boa Vista, conheceram-se por meio do footing – uma técnica comum de paquera nas praças na década de 1950 – e mudaram para São Paulo logo após se casarem. Lá, no bairro do Ipiranga, nasceu Wagner Luiz Constantino de Lima, no dia 13 de abril de 1950.
Na capital paulista, Wagner se apaixonou por jogar e ver futebol – mais especificamente o Corinthians. Devido a essa paixão, acabou jubilando por duas vezes o primeiro ano do ginásio, o que o obrigou a se transferir para um colégio particular e começar a trabalhar para pagar as mensalidades.
Em 1968, mudou-se para Campinas, no interior do estado, na região da Lagoa do Taquaral. No ano seguinte, ingressou no serviço militar, lotado na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx).
Em 1971, seu pai começou a trabalhar em uma empresa terceirizada na montagem da Refinaria de Paulínia (Replan), localizada no município de Paulínia, ao lado de Campinas, e o incentivou a prestar o concurso da Petrobrás: “Fui admitido na Petrobrás no dia 18 de outubro de 1971, na primeira ou segunda turma do setor de Transferência e Estocagem”. Na empresa, ficou até a aposentadoria, ocorrida em 1992.
Antes disso, porém, aproximou-se do sindicalismo, principalmente na mobilização que desaguou na histórica greve de 1983, que resultou na cassação da diretoria e na demissão de centenas de trabalhadores da Replan e da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia: “De 1983 até 1994, eu participei de todas as diretorias do sindicato”.
Entre 1995 e 1999, chefiou o gabinete do deputado federal Luciano Zica, que havia conhecido no chão de fábrica ainda na década de 1970. Entre 2007 e 2016, ocupou a Secretaria Geral da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros).
Wagner é pai de André, Daniel e Mariana, do seu primeiro casamento, que lhe deram três netas. Desde 1992, passou a compartilhar a vida com Marina Souza, sua esposa.