Petroleiro aposentado da Refinaria de Paulínia (Replan), Gilberto Coelho Marques de Abreu, mais conhecido como Giba, integrou a diretoria do Sindipetro-SP cassada na greve de 1983
Por Guilherme Weimann
Dos seus 90 anos de vida, Fidel Castro dedicou cerca de dois terços para construir uma das maiores e mais radicais – na acepção correta do termo – experiências socialistas da história mundial. Entretanto, sete anos após a sua morte, Cuba não possui nenhuma estátua, monumento, busto ou qualquer homenagem semelhante ao seu eterno comandante.
E não faltou vontade do povo cubano em realizar tributos dessa natureza. Mas o governo da ilha caribenha respeitou uma vontade do próprio Fidel, que abolia qualquer manifestação ou culto à personalidade, principalmente materializada dessa maneira. A sua memória, entretanto, segue viva tanto na revolução, que continua apesar de todas as dificuldades, como também no imaginário coletivo dos militantes de esquerda.
Gilberto Coelho Marques de Abreu não foi o comandante dos petroleiros, mas também esteve longe do papel no qual ele se coloca atualmente: “Eu sou esquerdista porque eu tenho minha luta pautada na coletividade. Acho que ser esquerdista é isso, lutar pelos menos favorecidos. Mas nunca fui o principal, sempre fui um coadjuvante”. Na realidade, esse pensamento está muito mais pautado na ideia de que a luta, apesar da importância das individualidades, é feita de forma coletiva.
Essa concepção, entretanto, não é intrínseca, mas foi construída ao longo de 78 anos de vida. Giba, o ‘nome de guerra’ que estampava na ‘farda’ (como é chamado o uniforme) da Petrobrás, nasceu no dia 28 de agosto de 1944, no Pará, filho de um contador e de uma dona de casa. Caçula de sete irmãos, mudou-se para São Vicente, no litoral de São Paulo, com apenas dois anos de idade – na mesma época do falecimento do seu pai.
Na cidade praiana, cresceu ao lado dos irmãos e da mãe entre o Parque Bitaru e a Vila Voturuá. Além da escola e do lazer, foi na região litorânea que conseguiu seus primeiros empregos: trabalhou em uma loja de material de construção em Santos, depois em um banco e, mais tarde, atuou como bombeiro – experiência que, posteriormente, seria crucial para a sua carreira.
Petroleiro
Em 1971, com 27 anos, Giba já estava morando em São Paulo, onde trabalhava com vendas em uma loja de vidros temperados, quando soube de um concurso da Petrobrás: “Eu fiz a prova, passei e entrei. Aliás, eu considero o concurso público a maneira mais democrática que o cidadão tem para entrar em uma empresa, onde os desiguais são tratados com igualdade. Porque não se pede sua religião, sua cor, de onde você veio. Simplesmente você tem que ter uma condição básica de conhecimento exigida pelo concurso. Então é uma maneira democrática e que possibilitou muita gente ter entrado na Petrobrás, inclusive eu. Eu considero minha redenção entrar na Petrobrás: econômica, pessoal e profissional”.
Ingressou, então, como auxiliar de segurança na Refinaria de Paulínia (Replan), que na época ainda estava em obras e só viria a ser inaugurada no dia 12 de maio de 1972. Mas, antes mesmo da partida da unidade, Giba já se deparou com um incidente: “Nos primeiros dias de trampo na Replan, a gente estava treinando posicionamento da brigada com canhões e aconteceu um incêndio na 200, debaixo da Torre 2. O nosso chefe era um grande combatente de prevenção de incêndio oriundo da Polícia Militar, tenente João Bidim. Aí ele disse: ‘Olha, nós estávamos treinando, mas agora vamos fazer de verdade’. Então, estávamos com roupa à paisana, só estávamos com uma capa e fomos lá debaixo da Torre 2 da 200 e apagamos o fogo. Foi sensacional. Chegamos já aprendendo mesmo”.
E foi justamente a experiência como bombeiro que deu segurança para Giba realizar esse trabalho, sem receio, segundo ele: “Não tive medo, eu já tinha tido uma noção como bombeiro, apesar de ter ficado pouco tempo. Mas isso serviu muito para eu entrar na Petrobrás. A nossa seleção foi baseada na prova, mas tivemos arguições orais com o senhor João Bidim e outras pessoas mais antigas. Foi uma coisa impressionante esse dia [do incêndio]”.
Sindicalista
Assim como a maioria dos trabalhadores que entraram na Petrobrás pela Replan, Giba não possuía experiência sindical. Sua aproximação com o sindicato se deu por influência de colegas transferidos de outras unidades da empresa: “Os colegas que vieram de outros lugares foram o esteio para nos aproximarmos do sindicato. O Jacó [Bittar], que veio de Cubatão e o próprio Stefano [Giuseppe Maria Narice], que já tinha passado pela Bahia e por Minas Gerais, foram fundamentais nesse processo”.
Leia também: “Discutíamos Marx na refinaria em plena ditadura”, afirma Alencar
Mas não demorou muito para Giba se sentir à vontade no papel de diretor sindical: “Entrei [no sindicato] em 1976, por aí. Nessa época, eu era um pouco afoito. Para vocês terem ideia, eu pegava o megafone e ia na porta do refeitório convocar para movimentos. Hoje eu fico pensando que a gente tinha perdido a cabeça naquele momento. Mas eu pegava o megafone do meu setor e ia lá ajudar no movimento, convocar. E tudo isso era em defesa da Petrobrás e eu tinha consciência disso. Fazíamos tudo isso porque a gente vestia a camisa da Petrobrás”.
Por esse amor à empresa, recorda que para entrar no sindicato deveria antes de tudo ser um exemplo de trabalhador dentro da refinaria: “O Jacó sempre dizia que para ser representante dos trabalhadores, antes era preciso ser o melhor operador. Ele dizia: ‘Ele ‘Olha, se você for mandado embora por roubo, apropriação indébita, você não volta. Mas se você for politicamente mandado embora, a gente vai na Justiça e vamos conseguir voltar’ Essa era a nossa ideia”.
E foi justamente o que aconteceu depois da histórica greve de 1983.
Grevista
Após tomar conhecido do relatório de um banco estrangeiro que propunha a privatização da Petrobrás e do desmembramento da empresa por unidades realizada pela governo, os petroleiros deflagraram a primeira grande greve da categoria, no dia 6 de julho de 1983, na Replan, em Paulínia, e na Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia.
Foram seis dias de muita mobilização, mas também de criminalização da ditadura – endossada pela imprensa: “Foi um enfrentamento muito grande, porque lidar com a ditadura não era fácil. Naquela época, a gente ia falar com qualquer autoridade em Brasília e levávamos um chá de cadeira. O chefe do departamento pessoal era um coronel, por exemplo. Não éramos atendidos, não nos tratavam como sindicalistas de verdade”.
Além das dificuldades nas negociações, o fim da greve veio com uma lista de 349 nomes, publicada em jornais da época, que seriam demitidos da empresa. Um deles era o dele: “Eu já estava casado nessa época e a demissão foi uma coisa muito difícil na família. Meus filhos ficaram sem assistência médica. Fiquei 2 anos e 8 meses fora da Petrobrás, sofrendo diversas agressões. Toda vez que eu fazia uma prova, uma seleção para entrar numa empresa, vinha a questão: ‘Porque você saiu da Petrobras?’. Para você ter uma ideia, eu fiquei em uma empresa no Rio de Janeiro, depois de passar por um longo processo seletivo, apenas 16 dias. Eles provavelmente fizeram uma consulta ao departamento pessoal da Petrobrás e me mandaram embora com 16 dias. Vocês imaginem quanta gente sofreu isso aí”.
Após quase três anos sem conseguir se firmar em uma empresa, Giba consegue retornar à Petrobrás, mas como embarcado na Bacia de Campos, no estado do Rio de Janeiro: “Tive entrevistas com pessoas hierarquicamente superiores que me criticaram [pela minha atuação na greve], mas houve uma certa imposição da minha ida para lá. Veio uma ordem de cima para me aceitarem por lá e aí me aceitaram. Mas eu tive esse tipo de pergunta: ‘Como inspetor, porque você foi se meter no sindicato?’. Mas pelos colegas, lá dentro da plataforma, eu fui muito bem recebido”.
Na embarcado na plataforma, permaneceu por mais 15 anos, até se aposentar por problemas de saúde: “A Petrobrás foi tudo pra mim. Foi a minha emancipação, principalmente econômica. Para você ter uma ideia, dos sete filhos, apenas três tiveram casa própria dos meus irmãos. Eu, uma irmã e um irmão que era oficial da Marinha. Devo tudo à Petrobras, agradeço muito. Mas isso nunca fez com que eu deixasse de lutar”.
Esquerdista
Além do Sindipetro Campinas, Giba foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) de Cosmópolis, pequena cidade vizinha de Campinas, onde conseguiu eleger um prefeito: “Eu não sou de jeito nenhum conservador. Eu não quero conservar a miséria, o desemprego. Eu sou esquerdista porque eu tenho minha luta pautada na coletividade”.
Giba tem quatro filhos (um falecido) e quatro netos. E, apesar de não ter estátuas e bustos, nunca foi apenas um coadjuvante na luta, mas parte integrante da história de uma das categorias mais combativas da história da classe trabalhadora brasileira.