Bolsonaro anunciou compra do óleo da Rússia em meio à guerra; vale a pena?
Por Vinicius Konchinski, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann
Em meio a alertas de escassez e à alta do preço do diesel no Brasil relacionadas aos impactos políticos e econômicos da guerra entre Rússia e Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) despertou desconfiança do mercado ao anunciar uma solução “quase certa” para minimizar o problema nacional: importar o combustível… justamente dos russos.
A Rússia está sob sanções dos Estados Unidos, da União Europeia e de outros países desde que invadiu o território ucraniano em fevereiro. Por conta disso, a ideia de trazer óleo diesel de lá para que ele seja distribuído para postos brasileiros levantou dúvidas de quem acompanha o vaivém do petróleo e seus derivados mundo afora.
Até agora, o governo não detalhou como pretende importar o diesel. No dia 11, Bolsonaro aventou que o óleo poderia chegar em 60 dias e custaria “bem mais barato” do que o importado hoje, principalmente dos Estados Unidos. Já no domingo (17), ele acrescentou que as negociações com a Rússia “estavam bastante avançadas”.
Leia também: Enquanto Europa reestatiza setor energético, Brasil entrega empresas na mão do mercado
De fato, segundo noticiaram a Folha de S.Paulo e a agência Reuters, membros do governo brasileiro vêm se reunindo com representantes das petroleiras russas Rosneft, Gazprom e Lukoil para tratar da importação. Até o embaixador russo no Brasil, Alexey Kazimirovitch Labetskiy, teria participado dessas reuniões.
Nesses encontros, os russos teriam, sim, ofertado diesel ao Brasil. A Folha de S.Paulo reportou, porém, que eles não disseram quanto querem vender nem a que preço.
A Rússia é o terceiro país do mundo que mais produz e refina petróleo. Na produção, está atrás dos EUA e Arábia Saudita. No refino, perde para os EUA e China.
O Brasil já importa da Rússia 23% de todo fertilizante agrícola que consome em suas lavouras. Esse fertilizante é um derivado do gás natural, cuja produção está ligada à extração do petróleo. Já existe, portanto, uma relação comercial entre importadores brasileiros e o setor petroquímico russo.
Contudo, trazer diesel da Rússia para o Brasil nunca foi economicamente viável, pelo menos até o início da guerra. Por conta disso, operações desse tipo não costumam ser realizadas. Viabilizá-las depende de trâmites burocráticos não tão usuais.
Quem importa?
Toda empresa brasileira que deseja importar petróleo ou derivados de qualquer país precisa de uma autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Hoje, só uma importadora brasileira tem essa autorização para trazer diesel da Rússia.
Essa empresa é a Uptime Brasil, de Joinville (SC). Ela foi fundada em 2016, ano que marcou o florescimento das importadoras de combustíveis no Brasil beneficiadas pela decisão da Petrobrás de praticar preços baseados no mercado internacional de derivados, o que abriu espaço no país para gasolina e diesel produzidos no exterior.
A Uptime Brasil é uma empresa considerada pequena e, por isso, obteve da ANP uma autorização compatível com sua capacidade de operação – 25 mil toneladas de diesel por mês. Entretanto, a empresa ainda não fechou nenhum contrato que garanta a importação desse volume do combustível. Caso se viabilize, essa quantidade representaria menos de 0,1% do diesel que o Brasil importa mensalmente.
Até aqui, só temos o discurso de Bolsonaro
Como esse volume é pequeno, ele dificilmente causaria algum efeito sobre os preços do diesel em postos de combustíveis brasileiros. Em entrevista à Folha, o próprio presidente da Uptime, Eraldo Rosa, declarou que não tem pretensão de mudar preços do Brasil.
Ele disse, porém, que sua iniciativa pode incentivar outras importadoras a dar mais atenção à Rússia. Eventualmente, elas também passariam a comprar combustíveis de lá.
De acordo com o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP), até agora, não há qualquer evidência que aponte para um aumento da importação de diesel russo. “Os números de pedidos de licença na ANP não mostraram nenhum planejamento para importação de óleo russo. Até aqui, só temos o discurso de Bolsonaro”, disse.
Guerra complica
Ainda que esse interesse aumente e as importações sejam mesmo viabilizadas, a guerra impõe dificuldades extras para a conclusão desses negócios. Depois do início do conflito e do anúncio de sanções ao país presidido por Vladimir Putin, o governo russo passou a obrigar que empresas do país recebam em rublos, a moeda local e de menor aceitação no comércio exterior, pelos produtos que elas exportam, incluindo derivados de petróleo.
Essa exigência cria custos extras com câmbio para conclusão das importações, segundo o economista Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
Ele disse que hoje o diesel russo está sendo vendido a preços realmente mais baixos que o americano. Essa diferença, porém, não é tão grande. Só o gasto com a compra do rublo para pagamento do óleo de empresas da Rússia pode igualar custos.
Não acredito que isso [importação de diesel russo] teria impacto nos preços na ponta, para o consumidor final
Leão também afirmou que os custos do transporte do diesel da Rússia para o Brasil seriam maiores do que para importação dos EUA, nosso maior fornecedor. Acrescido mais esse fator, pode ser que o custo de internalizar o produto o torne menos competitivo.
“Pode até ser que o óleo russo chegue mais barato aqui. Mas, levando em conta a logística e a questão cambial, a diferença não seria tão grande assim”, afirmou ele. “Não acredito que isso teria impacto nos preços na ponta, para o consumidor final.”
Desde o início do ano, o litro do diesel nos postos já subiu cerca de 30%. Passou de aproximadamente R$ 5,50 em janeiro para cerca de R$ 7,50 em julho, segundo a ANP.
No início do governo Bolsonaro, o litro do combustível custava cerca de R$ 3,50. Isso significa que ele mais que dobrou de preço em menos de quatro anos.
Brasil corre risco?
Leão, do Ineep, e Dantas, do OSP, não acreditam que a eventual importação de diesel russo possa trazer problemas políticos para o Brasil. Segundo Leão, China e Turquia, por exemplo, aumentaram suas compras de combustíveis da Rússia desde o início da guerra e até o momento não sofreram nenhuma retaliação de países alinhados com a Ucrânia.
Dantas acrescentou que uma eventual sanção ao Brasil poderia acarretar altas nos preços de commodities agrícolas produzidas aqui. O encarecimento desses produtos pressionaria ainda mais a inflação mundial, que já está alta. Por isso, EUA e Europa tendem a não penalizar o Brasil caso o país intensifique seu comércio com os russos.
A importação de diesel da Rússia, entretanto, só foi cogitada pois, no início da guerra, pensou-se que ela poderia causar falta de diesel no Brasil. Por causa do conflito, houve uma certa reorganização do mercado de derivados de petróleo no mundo, estoques baixaram e autoridades brasileiras atentaram-se para a possibilidade de escassez já que cerca de 25% do combustível consumido hoje aqui vem do exterior.
A importação se dá porque deixamos de construir refinarias
Leão e Dantas afirmaram que a possibilidade de faltar diesel no Brasil é cada vez mais remota. Segundo Leão, o comércio internacional de derivados de petróleo já foi retomado. De acordo com Dantas, desde maio, o estoque de diesel dos EUA chegou a aumentar 5%.
Por conta disso e considerando a pequena diferença de preço final do diesel russo para o dos EUA, Dantas não acredita que a Rússia seja a solução para a alta do combustível no Brasil. Para ele, aliás, esse problema tem que ser resolvido internamente, retomando obras de refinarias paradas desde que a operação Lava Jato impediu investimentos da Petrobrás.
“A importação se dá porque deixamos de construir refinarias. Se estamos com mais demanda de diesel, temos que terminar obras que ficam pela metade”, declarou ele, citando a Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, cujo projeto nunca foi concluído.