No marco dos 70 anos de existência da Petrobrás, novos desafios surgem após o recente desmantelamento. A reportagem dialogou com Deyvid Bacelar, Coordenador-Geral da FUP, sobre as perspectivas da empresa e seus trabalhadores e trabalhadoras nos próximos anos.

Por Vítor Peruch
Completando sete décadas de história, a Petrobrás enfrenta um momento crucial em sua trajetória. É momento de olhar tanto para o passado quanto para o futuro, avaliando os desafios que marcaram sua jornada e as prioridades que delineiam a reconstrução da empresa. Nesse contexto, destacam-se temas cruciais, como a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras, a reestatização de ativos perdidos desde 2016, e a busca por uma transição energética justa. Para entender como esses elementos se entrelaçam no caminho que a Petrobrás está trilhando, conversamos com o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, que compartilhou suas perspectivas e preocupações sobre a empresa e o setor energético.
Superando o passado e olhando para o futuro
Segundo Bacelar, a Petrobrás “não apenas pode, mas deve superar os impactos dos governos Temer e Bolsonaro avançando em relação aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras que foram retirados ao longo desses anos”. O coordenador enfatiza a importância de um planejamento maior: “Há uma necessidade de um novo planejamento estratégico que vislumbre a companhia para além dos quatros anos que são determinados no plano de negócios da gestão. Na época do Gabrielli [Sérgio, presidente da Companhia entre 2005 e 2012], tinha um planejamento estratégico de dez anos e está mais do que na hora da empresa voltar a fazer isso”. Bacelar aponta outro desafio importante, a mudança na mentalidade dos gestores: “Houve uma mudança na gestão da empresa, só que ela foi pouca diante da quantidade de gestores que continuaram, oriundos ainda dos governos Temer e Bolsonaro, com mentalidade ligada aos governos passados”.
Papel da categoria na reconstrução
A categoria petroleira sofreu muito os impactos do entreguismo instalado na empresa desde 2016: “Fomos atacados demais, tivemos direitos retirados, com as privatizações, muitos optaram pelo Plano de Demissão Voluntária (PDV), tivemos cerca de 40 mil pessoas saindo da Petrobrás nesses 7 anos e os que ficaram foram sobrecarregados com uma maior quantidade de atividades, tanto em áreas operacionais como administrativas, e isso faz com que você perceba vários problemas de saúde mental, não só por conta disso, mas também por conta do assédio da gestão que tentou arrancar o máximo do mínimo de pessoas”. Para Bacelar, a categoria deve desempenhar um papel crucial na reconstrução da Petrobrás, mas para isso é necessário que os trabalhadores e trabalhadoras sejam valorizados.
Reestatização de Ativos
A FUP é fortemente contrária à privatização de ativos e apoia a reestatização daqueles que foram vendidos nos governos Temer e Bolsonaro. Ele ainda aponta que esse desmantelamento impactou a saúde mental de diversos trabalhadores e trabalhadoras e pode ter causado suicídios entre a categoria. “Muitos trabalhadores foram transferidos de forma compulsória, sem qualquer tipo de negociação com as pessoas e muito menos com os sindicatos. Um processo traumático que tem levado a morte de algumas pessoas, e que chegou a atingir a marca de quase um suicídio por mês, todos de pessoas transferidas para outros estados”, aponta.
Desafios da Transição Energética
A transição energética é um desafio global, e a Petrobrás não é a exceção. Mas Bacelar afirma: “Há perguntas que ainda não foram respondidas. Como é que ficam os trabalhadores nisso? Estão sendo treinados? Aqueles que foram transferidos voltarão? E as comunidades que serão afetadas por essas atividades? Há algum tipo de diálogo com elas? Os movimentos sociais, os sindicatos e a FUP estão sendo ouvidos?”. Para Bacelar é fundamental desenvolver tecnologias nacionais em energias renováveis para não depender de outros países na transição. Ele enfatiza ainda a importância de que a Transição Energética seja uma transição justa, construída em diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras.
Confira abaixo a entrevista completa:
Do ponto de vista dos trabalhadores, como a Petrobrás pode e deve superar os anos de governo Temer e Bolsonaro? Na sua opinião qual é o principal desafio atual da empresa?
Ela não só pode e deve superar o estrago e a destruição que foi feita nos governos Temer e Bolsonaro, como também, avançar com relação aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras que foram retirados ao longo desses anos. E, por conta da mudança da legislação trabalhista, há uma necessidade de alguns avanços com remédios que visem travar os efeitos da contra-reforma trabalhistas, isso com relação aos trabalhadores e trabalhadoras que atuam no Sistema Petrobrás.
Agora, com relação aos desmantelamento que houve na empresa, há uma necessidade de um novo planejamento estratégico que vislumbre a companhia para além dos quatros anos que são determinados ali no plano de negócio da gestão.
Na época do Gabrielli, tinha um planejamento estratégico para dez anos. Então está mais do que na hora da empresa voltar a fazer isso. E o PNG próximo agora de 2024-2028, ele precisa ser completamente revisado observando os desafios que a empresa tem perante esse novo momento da geopolítica mundial, principalmente da geopolítica mundial do Petróleo, Gás e Energia.
A empresa não precisa e não deve apenas rever aquilo que foi feito com relação às privatizações para buscar uma reestatização, seja lá de que forma for, mas também avançar para áreas que infelizmente a Petrobrás saiu há algum tempo, como por exemplo energias renováveis, eólicas, solar. Uma tecnologia nova que já está sendo muito discutida devido ao GNV, que desemboca em combustíveis verdes, como gasolina, diesel.
Na sua opinião qual é o principal desafio atual da empresa?
O principal desafio hoje é mudar a mentalidade dos gestores que ainda estão lá. Houve uma mudança na gestão da empresa, só que ela foi pouca diante da quantidade de gestores que continuaram, oriundos ainda dos governos Temer e Bolsonaro, então eles têm ainda uma mentalidade ligada ao governo passado, onde por exemplo, parâmetros que são estabelecidos, pela estratégia da empresa que ainda tem profissionais e gestores dos governos anteriores, parâmetros que inviabilizam projetos mais desafiadores. No passado, se a empresa não postasse no Pré-Sal, ele não estaria produzindo hoje 78% da produção de petróleo aqui no Brasil. Então há uma necessidade da mudança de mentalidade ou de pessoas. A gestão da empresa, que está inviabilizando uma série de projetos, como a construção de navios, sondas, plataformas, como a decisão da Petrobrás de ter mais plataformas próprias ao invés de fretadas. Eles trabalham com a mentalidade com o menor preço, menor custo, custe o que custar.
Qual é o papel dos trabalhadores nesse processo de reconstrução da empresa?
Os trabalhadores e trabalhadoras têm um papel fundamental na reconstrução do Sistema Petrobrás como um todo. Fomos atacados demais, tivemos direitos retirados, com as privatizações, muitos optaram pelo Plano de Demissão Voluntária (PDV), tivemos cerca de 40 mil pessoas saindo da Petrobrás nesses 7 anos, os que ficaram foram sobrecarregados com uma maior quantidade de atividades tanto em áreas operacionais como administrativas, e isso faz com que você perceba vários problemas de saúde mental, não só por conta disso, mas também por conta do assédio da gestão que tentou arrancar o máximo do mínimo de pessoas, a empresa está com efetivo extremamente baixo, então para que os trabalhadores e trabalhadoras cumpram esse papel desafiador na volta do crescimento da empresa e voltando a ser uma empresa realmente de energia integrada, há a necessidade de se ter mais gente e pessoas que estejam qualificadas com os treinamentos, que também foram reduzidos e muito na Universidade Petrobrás, mas também precisarão de valorização, de reconhecimento e recompensa por parte da empresa.
Qual é a posição da FUP em relação à reestatização de ativos da Petrobrás, e como isso pode beneficiar os trabalhadores do setor?
Como nós somos completamente contrários à privatização desses ativos, óbvio que somos a favor da reestatização desses ativos que foram vendidos no Governo Temer e Bolsonaro pela nova gestão da Petrobrás, então é necessário sim uma reestatização.
A gente lembra que aquela ação judicial que foi oriunda da nossa greve que foi feita pelo Congresso Nacional, questionando o STF dessas privatizações, e não houve ainda um julgamento do mérito deste processo, enquanto as outras vão no caminho de uma renegociação do Brasil com outros países que adquiriram ativos através de suas empresas, independente do formato, é importante que esses ativos sejam estatizados. Isso ajuda muito e beneficia os trabalhadores e trabalhadoras, principalmente aqueles e aquelas que foram transferidos de forma compulsória, sem qualquer tipo de negociação com as pessoas e muito menos com os sindicatos. Um processo traumático que tem levado a morte de algumas pessoas, nós estamos com o índice de quase um suicídio por mês, isso parou por durante 4 meses, apesar de três tentativas, e recentemente tivemos mais um caso de suicídio na empresa de pessoas, todas essas, que foram transferidas para outros estados, então isso ajudará a fazer com que as pessoas retornem para suas casas e seus locais de origem.
Quais são as principais preocupações que você enxerga em relação à transição energética e como garantir que ela seja justa para os trabalhadores do setor de petróleo e gás?
Sobre a transição energética justa, que o presidente Jean-Paul Prates e o diretor diretor Maurício Tolmasquim tem sinalizado que irão fazer, nós ainda carecemos de um diálogo melhor com o movimento sindical. Porque, por exemplo, no Rio Grande do Norte houve a privatização de todos os campos de Petróleo, Gás, refinarias, não tem mais nada lá relacionado a óleo e gás. Então sinaliza a nova gestão que haverá um processo de investimentos em energias renováveis, a exemplo da energia eólica off-shore. Mas como é que ficam os trabalhadores nisso? Estão sendo treinados? Aqueles que foram transferidos voltarão? E as comunidades que serão afetadas por essas atividades? Há algum tipo de diálogo com elas? Os movimentos sociais, os sindicatos e a FUP estão sendo ouvidos? Então tem perguntas que ainda não foram respondidas. Além disso, há uma necessidade da Petrobrás, ao invés de importar tecnologia, ela desenvolver sua pesquisa para desenvolvimento de novas tecnologias relacionadas a energia eólica, a energia solar, a hidrogênio verde. Ao invés de comprar da China, Alemanha, países que já desenvolveram suas tecnologias para essas áreas, a Petrobrás tem como, a partir das Universidades Federais daqui do Brasil, desenvolver tecnologia nacional para não ficar na dependência de outros países.
Essa é uma grande preocupação também com relação a transição energética, porque até então sem envolvimento de empresas estatais, e aqui falamos entre elas a Petrobrás, nós já temos uma matriz energética bastante limpa, 48% das nossas matrizes são renováveis, porém tanto no caso das energias solar e eólica, é tudo importado de fora a tecnologia, inclusive com um processo de geração de renda e emprego bem baixo, e aquém daquilo que poderia ser, se a tecnologia fosse desenvolvida nacionalmente.