O ano de 2008 marcou a minha vida e de outras milhares de pessoas que ingressaram na Petrobrás; entretanto, hoje, esses mesmos trabalhadores convivem com transferências forçadas, riscos maiores em relação à segurança e a dor de ver o desmonte da maior estatal do país
Por Stanislaw Petroleiro*
O ano de 2008 marcou a minha vida para sempre. Foi justamente há 12 anos que eu consegui fazer parte de um sonho que carregava há muito tempo: passar no concurso da Petrobrás, um dos mais disputados do país. E essa utopia transformada em realidade não era apenas um sentimento pessoal, mas uma estratégia institucional que, com certeza, atingiu positivamente milhares de outros trabalhadores e trabalhadoras.
A partir de 2003, os rumos da maior estatal brasileira sofreram uma inversão completa. Se antes o objetivo era diminuir sua presença no país, por meio de privatizações, a partir desse ano foi implementada uma política de expansão da petroleira resumida na frase “do poço ao posto e ao poste”.
Entre 2003 e 2013, os investimentos da empresa saltaram de US$ 6 bilhões para US$ 48 bilhões, respectivamente. No mesmo período, os números de trabalhadores próprios cresceram de 48 mil para 86 mil, e o de terceirizados de 123 mil para 360 mil. Além do aumento expressivo de verbas destinadas às áreas de cultura, esporte e meio ambiente.
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Por isso, a data do meu ingresso na Fábrica de Fertilizantes da Bahia, na época uma importante unidade da Petrobrás localizada no município de Camaçari (BA), também está marcada no coração de outras milhares de pessoas. Apenas entre 2007 e 2008, o número de trabalhadores próprios cresceu de 68 mil para 74 mil, e o de terceirizados de 211 mil para 260 mil.
Era um mundo absolutamente novo e incrível, as opiniões eram ouvidas, implementadas e o diálogo era livre, independentemente se fosse entre o gerente e o agente de limpeza. Era realmente uma terra onde se prezava verdadeiramente pela segurança, como um objetivo firme o suficiente para ninguém ousar descumprir os procedimentos estabelecidos. Naquele tempo, colocávamos a vida em primeiro lugar e parávamos qualquer serviço em situação insegura ou que porventura estivesse descumprindo o procedimento.
Em 2014, com muito entusiasmo, parti para um novo desafio. Consegui me transferir para outro estado por interesse próprio. Entretanto, outros colegas petroleiros não tiveram a mesma sorte e passaram a ser transferidos como simples peças nessa nova fase que se abriu na empresa.
Às vezes, quando paro para almoçar na unidade, sinto o apetite ir embora e uma tristeza profunda me assola, vejo a destruição de tudo o que fiz até aqui, sinto o medo de planejar qualquer coisa e ser jogado para outro lugar.
Nos anos que se seguiram, a Petrobrás perdeu seu tratamento humano com os petroleiros, nossas vidas passaram a ser cada vez mais descartáveis. Desinvestimentos forçados, vidas individuais destruídas, o coletivo completamente abalado e transferências forçadas – muitas vezes mais de uma por ano – passaram a ser a tônica da empresa. Amigos, família, estudos, projetos de vida, tudo abandonado por conta de decisões irresponsáveis de uma gestão que não se importa verdadeiramente com um dos maiores orgulhos dos brasileiros.
Além das vidas destruídas, viramos refugiados em outros estados, vivendo cada dia sem nenhum suporte às diversas mudanças enfrentadas que sequer foram do nosso interesse, sobrevivendo sem o conforto dos nossos parentes, amigos e família, vivendo a solidão do não pertencimento a essa realidade cruelmente imposta.
Às vezes, quando paro para almoçar na unidade, sinto o apetite ir embora e uma tristeza profunda me assola, vejo a destruição de tudo o que fiz até aqui, sinto o medo de planejar qualquer coisa e ser jogado para outro lugar. Junto com a comida que não consegui comer, vai ao lixo meus sonhos e esperanças. É desesperador tentar olhar para o futuro e não ver nada, ter medo de fazer amizades, envolver-se com pessoas e ver tudo acabar porque alguém decidiu seu futuro por você.
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Você pode me perguntar: por que você não pede demissão se está tão ruim? E eu respondo: Eu lutei para estar nessa empresa, e vou lutar por ela mesmo que custe a minha vida. Diferentemente de alguns dos atuais gestores, não entrei pela janela e não estou à serviço do mercado financeiro, eu trabalho todos os dias para servir aos verdadeiros donos dessa empresa, aqueles que com seus impostos custearam minha educação pública e que me permitiram chegar até aqui.
Ficarei firme mesmo sem esperança de futuro, porque a Petrobrás existe para servir aos cerca de 212 milhões de brasileiros que acreditam e dependem dela. Ficarei firme, pelos diversos amigos petroleiros e petroleiras das empresas contratadas, que perderam seus empregos ou tiveram seus salários rebaixados, que estão sendo cada dia mais expostos a riscos absurdos e temem questionar e, por isso, acabar perdendo sua fonte de sustento.
Ficarei firme e lutarei a cada dia, mesmo sem esperança, mesmo sem minha família e amigos por perto, lutarei para ter de volta a Petrobrás que respeitava as vidas que entregavam sua mão de obra para garantir a produção e o lucro. Eu lutarei, porque eu sou um petroleiro e nossa sina é resistir.
*Stanislaw Petroleiro é um codinome criado para preservar o autor do artigo, que preferiu não se identificar.