Após 133 anos da assinatura da Lei Áurea, a discriminação racial ainda continua latente no Brasil; por isso, combater o racismo é uma tarefa urgente, diária e coletiva
Por Andreza de Oliveira
Promulgada em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea anunciava que o período escravocrata no Brasil chegava ao fim. Entretanto, até os dias atuais a população negra ainda é a que mais sofre os efeitos do racismo no país – e em parte do mundo, como nos Estados Unidos.
Ganhando força nos últimos anos, despertando fúria e fazendo história por meio de protestos que clamam pelo fim da violência contra negros, o racismo se entranhou nas estruturas sociais e discutir as relações de poder se faz mais urgente do que nunca.
No Brasil, somente na cidade de São Paulo, a Rede Nossa São Paulo apontou em pesquisa que, no último ano, 83% dos paulistanos consideravam que a discriminação racial contra negros se manteve ou aumentou nos últimos 10 anos.
Assim também são os dados sobre a pobreza no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 mais de 117 milhões de brasileiros negros ou pardos se declaravam como pobres. Da mesma forma, dentre as quase 14 milhões de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza no país, 70% se identificavam como negras.
Além disso, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) dentre as vítimas de mortes violentas que ocorreram em 2019, 74,4% eram negras.
Analogamente, a população negra também é a que mais morre de covid-19 no Brasil. Segundo o Instituto Polis, a cada 100 mil habitantes, 250 homens negros morrem em decorrência de complicações do contágio com o vírus Sars-Cov-2, enquanto entre os homens brancos, essa taxa cai para 157 mortes a cada 100 mil habitantes.
O mesmo ocorre com o gênero feminino pois, ainda de acordo com o Instituto, a cada 100 mil habitantes, 140 mortes de covid-19 são de mulheres pretas, enquanto a proporção de mortes pela doença para mulheres brancas é de 85 para cada 100 mil pessoas.
Discutir o racismo é uma luta antiga, constante e diária que se faz urgente porque, mesmo após 133 anos desde a abolição da escravatura no Brasil, o racismo ainda mata e provoca muita desigualdade.
Confira abaixo os dez livros, de diferentes modelos de escrita, que discutem a temática:
1. Amada – Toni Morrison
Nascida nos 1931, em Ohio, nos Estados Unidos, Toni Morrison foi a primeira mulher negra da história a ganhar um prêmio Nobel de literatura. Sua jornada como escritora teve início nos anos 70 e a temática central de suas obras era a segregação racial.
Crítica do feminismo que só abordava pautas de mulheres brancas, Morrison escreveu em 1987 o romance ‘Amada’, livro baseado na história de Margaret Garner, uma mulher negra que, para escapar da escravidão, chegou a matar sua própria filha para que ela não tivesse o mesmo destino que o seu.
Apesar de conter traços baseados na realidade, ‘Amada’ é uma ficção envolta por suspense que se passa em 1873, uma década após o fim da escravidão nos Estados Unidos. De forma não linear, a história se passa no estado de Ohio, que era abolicionista, num período pós Guerra Civil, para onde a personagem principal, Sethe, fugiu para se refugiar junto à filha Denver.
Na narrativa, mãe e filha vivem em uma casa assombrada pelo espírito da filha de Sethe que morreu e, com o decorrer da história, a personagem principal precisa lidar com sujeitos e traumas de seu passado, fazendo alusão às condições pelas quais os negros do século XIX eram submetidos.
Escrito sob a perspectiva da personagem principal, ‘Amada’ serviu como inspiração para o filme ‘Bem-Amada’, estrelado por Whoopi Goldberg no papel principal e rendeu um Pulitzer de Melhor Ficção para Morrison em 1987. A autora morreu em 2019.
2. As Lendas de Dandara – Jarid Arraes
Nordestina de Juazeiro do Norte, no Ceará, Jarid Arraes é uma escritora, poeta e cordelista brasileira que, em 2020, foi finalista do Prêmio Jabuti de Contos. Em São Paulo, ela criou o Clube da Escrita para Mulheres.
Lançado em 2016, o livro ‘As Lendas de Dandara’ abordam um pouco da história de Dandara dos Palmares, guerreira negra do período colonial brasileiro que foi casada com Zumbi dos Palmares e que pouco se tem registro na literatura.
A falta de informação sobre a vida Dandara foi o que dificultou a escrita de uma biografia propriamente dita. Entretanto, a partir de pesquisas, Arraes narra no livro como a guerreira veio para o Brasil e as lendas que envolvem sua existência.
Com uma linguagem de fácil compreensão, ‘As Lendas de Dandara’ busca, por meio de uma prosa, fazer um resgate de uma trajetória que nunca foi bem contada, além de trazer reflexões sobre o papel histórico dos brancos na perpetuação do racismo no Brasil.
3. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola – Maya Angelou
Pseudônimo de Margueritte Ann Johnson, Maya Angelou foi uma escritora e poeta estadunidense. Nascida em 1928, ela foi a primeira mulher negra a ser roteirista e diretora em Hollywood. Da mesma forma, amiga de Martin Luther King e Malcom X, ela também teve pioneirismo atuando nos movimentos antirracistas dos EUA nos anos 60.
‘Eu sei por que o pássaro canta na gaiola’ é uma narrativa autobiográfica da autora. Lançada em 1969, a obra aborda o racismo, abusos e libertação vivenciadas por Angelou e conta um pouco sobre o racismo no sul dos Estados Unidos, região que mais demorou para aceitar as leis abolicionistas, e como a segregação racial da época impactava a vida dos negros.
No livro, a autora relembra memórias e dores que vivenciou na tentativa de proporcionar um “conforto” a quem passou pelo mesmo tipo de preconceito. A trama também traz como temáticas o abuso sexual, a gravidez precoce e o abandono familiar, que fazem parte dos dilemas enfrentados por Angelou, que faleceu em 2014.
4. Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adiche
Chimamanda Ngozi Adichie é uma das escritoras de origem africana mais aclamadas da literatura moderna. Nascida na Nigéria, em 1997, ela se mudou para os Estados Unidos aos 19 anos para estudar comunicação e ciências políticas.
‘Hibisco Roxo’ é o primeiro romance escrito pela autora. Publicado em 2003, o livro foi bem aclamado pela crítica e recebeu diversos prêmios norte-americanos.
A narrativa conta a história de Kambili, uma adolescente nigeriana que vive com seu pai católico, tradicionalista e bem-sucedido no ramo industrial. Ele provoca atritos em toda a família e renega as próprias origens nigerianas por pavor à história de seu povo.
O livro aborda como temática central os aspectos da Nigéria no início do século XXI e mostra como alguns efeitos da colonização no continente africano foi capaz de gerar intolerância racial e religiosa entre a própria população negra.
5. O avesso da pele – Jeferson Tenório
Carioca radicado em Porto Alegre, Jeferson Tenório é escritor e professor do ensino público na capital do Rio Grande do Sul. Em 2020, ele publicou seu terceiro romance, ‘O avesso da pele’, que foi muito aclamado pela crítica brasileira.
Ambientado no sul brasileiro, o livro aborda a violência racial contra negros e pobres no país e é escrito a partir da perspectiva de Pedro, jovem que perdeu seu pai, que era negro e professor de literatura, para a violência policial. Durante a narrativa, o personagem principal busca, com base na genealogia estrutural de sua família, entender sua identidade racial.
Além dos traumas e da estereotipação do negro no Brasil, a principal problemática trabalhada na obra é a do racismo estrutural e as relações abusivas provocadas pela branquitude, que muitas vezes são quase imperceptíveis.
6. O feminismo é pra todo mundo: políticas arrebatadoras – bell hooks
Uma das escritoras afro-americanas com maior importância na luta feminista atual, bell hooks (escrito em minúsculo mesmo para não tornar seu nome mais importante que a sua obra) é o pseudônimo que Gloria Jean Watkins usa em homenagem à sua bisavó. Em suas obras, a autora costuma discutir a interseccionalidade de raça e capitalismo dentro das temáticas feministas.
‘O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras’ possui uma linguagem de fácil compreensão e foge do academicismo com o objetivo de atingir o maior número de pessoas. As questões de raça são abordadas justamente para trazer para perto uma parcela social que sempre esteve muito afastada do feminismo: as mulheres negras.
Considerado um clássico feminista, a obra publicada no ano 2000 é uma das principais sobre o feminismo com recorte racial e de classe visto que, para bell hooks, o movimento deve ser, antes de tudo, uma manifestação antirracista, pois certos objetivos só são alcançados com a união.
7. Olhos d’água – Conceição Evaristo
Natural de Minas Gerais, Conceição Evaristo nasceu em 1946 em Belo Horizonte e, de 9 irmãos, foi a primeira a concluir o ensino superior. Nos anos 70, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde deu início à sua jornada como escritora.
Em 2014, lançou ‘Olhos d’água’, que aborda a realidade da população afro-brasileira: repleta de violência, pobreza e repressão. O livro conta uma história fictícia, mas baseada na conjuntura existente, de seis mulheres das mais diversas idades que enfrentam os desafios de pertencer à comunidade afro-brasileira.
No decorrer do livro, são expostos sentimentos como raiva, frustração, amor e medo por meio de 15 estórias sobre o cotidiano de mulheres que vivem à margem do racismo e do machismo. A narrativa é descrita do ponto de vista das personagens.
É importante lembrar que a realidade relatada na obra não se resume somente à dor, mas sim à vivência das mulheres negras. Em 2015, ‘Olhos d’água’ ganhou o prêmio Jabuti de Contos.
8. Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus
Uma das primeiras escritoras negras brasileira, Carolina Maria de Jesus nasceu em 1914, em Minas Gerais. Ela tem passagens por composição e poesia e na atualidade é considerada uma das autoras mais importantes do país.
Seu livro ‘Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada’ foi publicado em 1960 e é baseado nas vivências de Carolina e é o mais famoso de sua bibliografia. Considerado um best-seller, a obra já foi vendida em mais de 40 países e traduzida em 16 idiomas.
Com linguagem simples, o livro é escrito como um diário e relata os desafios vividos pela autora no cotidiano da favela onde morava, em São Paulo. O realismo presente tende a comover quem estiver lendo a obra e, apesar de ser uma leitura leve em termos de complexidade, é pesada devido à temática tratada.
A narrativa é ambientada entre os anos de 1955 e 1960. As principais questões abordadas na obra são o racismo, a fome e as condições de vida e sobrevivência em uma favela naquela época.
9. Torto Arado – Itamar Vieira Junior
Vencedor dos prêmios Jabuti e Oceanos de 2020, Itamar Vieira Júnior nasceu no estado da Bahia e, além de autor, é doutor em estudos étnicos e africanos. Hoje, ele é o escritor brasileiro vivo mais vendido e premiado no Brasil.
Publicado em 2019, seu romance “Torto Arado” foi o responsável por sua ascensão enquanto escritor. O livro conta a história de Belonisia e Bibiana, duas irmãs que vivem no sertão baiano e são marcadas por um acidente ainda durante a infância.
Tal acidente faz com que as irmãs precisem estar sempre juntas, uma precisando da outra. As personagens são submetidas a trabalhos em condições análogas à escravidão, na Chapada Diamantina – uma crítica do autor ao racismo estrutural resultante de um passado escravista brasileiro mal resolvido.
10. Tudo Nela Brilha e Queima – Rayane Leão
Professora e poeta, Ryane Leão começou a divulgar seus textos espalhando-os pela cidade de São Paulo e em suas redes sociais. Formada em letras pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a escritora também participava de saraus e slams (batalhas de poesias) na capital paulista.
Por não se sentir representada nas obras que lia, Ryane passou então a escrever sobre o que sentia e suas experiências enquanto mulher feminista e negra.
Em 2016, lançou “Tudo Nela Brilha e Queima”, seu primeiro livro de poemas temáticos, com uma pegada feminista, sobre a luta, autoestima e política das mulheres negras.