Em entrevista ao Sindipetro-SP, o professor do Instituto de Economia da UFRJ, Iderley Colombini, explica a estratégia utilizada pelas grandes fornecedoras internacionais de equipamentos para asfixiar empresas brasileiras
Por Guilherme Weimann
Cada vez ficam mais evidentes os interesses internacionais que se abriram a partir de uma das maiores descobertas de petróleo deste século, o pré-sal brasileiro. Dentro dessa perspectiva, muitas pesquisas e pensadores têm relacionado os principais eventos políticos ocorrido no país – como a Lava Jato e o impeachment – justamente a essa disputa geopolítica pelas reservas localizadas em águas ultraprofundas do litoral brasileiro.
Entretanto, para o recém-empossado professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Iderley Colombini, ainda é pouco analisado o teor dessa disputa. “Não se trata apenas de conquistar os lucros do petróleo brasileiro, mas sim de destruir qualquer condição do país vir a ter uma autonomia com as relações que a produção de petróleo condiciona”, opina.
Além disso, o pesquisador chama atenção para um “mundo invisível do petróleo”, que é o das empresas fornecedoras de máquinas e equipamentos destinados à exploração e também desenvolvimento da cadeia produtiva do petróleo, conhecidas como para-petroleiras.
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Nos últimos anos, as três maiores para-petroleiras – Halliburton, Baker Hughes e Schlumberger – realizaram uma estratégia conhecida como dumping. Diminuíram artificialmente os preços dos contratos com a Petrobrás para prejudicar as então proeminentes empresas brasileiras especializadas nessa área. Com isso, cerca de 40% das para-petroleiras nacionais fecharam as portas a partir de 2014.
Esse movimento ocorreu paralelamente à mudança na política de conteúdo local durante o governo de Michel Temer, que ocasionou a diminuição da porcentagem mínima de equipamentos e máquinas que devem ser fornecidas por indústrias brasileiras para a exploração e produção de petróleo. “Após o golpe de 2016, todo o marco institucional do petróleo no Brasil foi alterado, desde a exigência de participação da Petrobrás na exploração dos campos do pré-sal, até os percentuais de conteúdo local”, explica.
Confira a íntegra da entrevista:
Em artigo publicado na Revista Oikos, você aponta que o papel exercido pelas para-petroleiras representa muito do “mundo invisível do petróleo”. Como se configura essa parcela pouco aparente da cadeia produtiva do petróleo?
Em realidade, uma grande parte do mundo do petróleo ainda se encontra invisível nos debates de geopolítica. Isso acontece devido à grande imbricação do petróleo com as formas capitalistas contemporâneas constituídas no período de pós-guerra. O próprio sistema financeiro internacional atual, com seus mercados futuros, possui uma grande dependência das transações internacionais de petróleo. De forma análoga ao que ocorre com o sistema financeiro internacional, o desenvolvimento tecnológico e científico de nossa sociedade está todo sustentado nas relações sociais energéticas do petróleo.
Não tem como se pensar o desenvolvimento tecnológico e científico de uma sociedade sem levar em consideração qual é sua matriz energética. E, diferentemente do que muitos acreditam, essas relações entre a produção de petróleo, os desenvolvimentos tecnológicos e as disputas internacionais pelo seu controle não estão concentradas apenas nas grandes petroleiras, mas também nas para-petroleiras, que são aquelas empresas que fornecem as máquinas, equipamentos e serviços para a produção e exploração.
Por meio das formas de controle da estrutura de patentes tecnológicas, as grandes para-petroleiras dominam a produção de máquinas e equipamentos sofisticados para o setor.
O controle desses serviços e equipamentos é extremamente monopolizado entre algumas grandes empresas, em sua grande maioria com sede em Houston, no Texas. Por meio das formas de controle da estrutura de patentes tecnológicas, as grandes para-petroleiras dominam a produção de máquinas e equipamentos sofisticados para o setor. Dessa forma, elas ocupam posição estratégica na cadeia global, com presença em praticamente todos os países produtores, mesmo naqueles com monopólio estatal. O Oriente Médio é um grande exemplo. A Arábia Saudita, apesar de ter controle sobre a estatal Saudi Aramco, também depende dos contratos e fornecimentos dessas grandes empresas.
No Iraque do pós-guerra (2003) aconteceu algo similar e ainda mais espantoso. Apesar de muitas petroleiras terem entrado no Iraque, o domínio dos serviços e do fornecimento das máquinas e equipamentos permaneceu nas gigantes internacionais para-petroleiras, principalmente das norte-americanas, como Baker Hughes e Halliburton. Um dos maiores campos de petróleo do Iraque foi concedido para a empresa russa Lukoil, contudo praticamente toda sua operação de exploração ocorre por meio da empresa Baker Hughes.
No mesmo artigo, você aponta que entre a deflagração da Operação Lava Jato, em 2014, até o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o petróleo foi “o grande lubrificante político”. Na sua opinião, esses dois eventos estão relacionados com uma disputa geopolítica pelo pré-sal brasileiro?
Sem dúvida. Essa relação entre os processos políticos ocorridos no Brasil a partir de 2014 – ou até antes em 2013 – com a disputa pelo petróleo nacional não só já foi fartamente apresentado por vários estudiosos e comentaristas como também pelos documentos internacionais vazados por sites como The Intercept e o Wikileaks. Mas o que tem sido pouco comentado ou analisado é o teor dessa disputa. Não se trata apenas de conquistar os lucros do petróleo brasileiro, mas sim de destruir qualquer condição do país vir a ter uma autonomia com as relações que a produção de petróleo condiciona. Ou seja, destruir a capacidade do Brasil utilizar o seu petróleo e os seus derivados como lastro de outra moeda que não o dólar, por isso a entrega dos leilões dos campos do pré-sal e agora do parque de refino.
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Essa destruição da capacidade de uma política autônoma e anti-hegemônica também se coloca pela capacidade de geração de novas tecnologias. A capacidade de exploração do pré-sal foi desenvolvido pelo Brasil, tanto as máquinas e equipamentos quanto o conhecimento. Com a política de conteúdo local e um prazo maior de maturação dessa produção e desenvolvimento tecnológico, o país tinha possibilidade de rivalizar com o monopólio imposto pelas grandes petroleiras. Contudo, o golpe de 2016 impediu esse processo que ainda estava em curso.
Como a Operação Lava Jato e posteriormente o golpe modificaram a cadeia produtiva de petróleo no país? E, especificamente, como contribuíram para a mudança dos atores no setor de fornecimento de equipamentos, controlado pelas para-petroleiras?
Após o golpe de 2016, todo o marco institucional do petróleo no Brasil foi alterado, desde a exigência de participação da Petrobrás na exploração dos campos do pré-sal, até os percentuais de conteúdo local. Com a destruição da política de conteúdo local, as empresas brasileiras de fornecimento de serviços, máquinas e equipamentos para a exploração de petróleo foi profundamente afetada. Segundo estudo da KPMG, de 2018, cerca de 40% das para-petroleiras no Brasil fecharam as portas desde 2014, além da forte redução e crise enfrentada pelas construtoras e empreiteiras nacionais que não chegaram a anunciar falência.
Em compensação, as grandes petroleiras internacionais possuíam caixa da matriz para se manter mesmo no cenário de crise. Sem as restrições de conteúdo local, essas empresas puderam reconstruir seus monopólios. Dessa forma, as grandes para-petroleiras internacionais iniciaram uma política extremamente agressiva, a qual poderia ser descrita, dentro dos manuais de economia, como dumping, juntamente com forte processo de fusão e aquisição.
Cerca de 40% das para-petroleiras no Brasil fecharam as portas desde 2014, além da forte redução e crise enfrentada pelas construtoras e empreiteiras nacionais que não chegaram a anunciar falência.
No meio do cenário de forte crise do setor do petróleo no Brasil, as grandes para-petroleiras – principalmente Halliburton, Baker Hughes e Schlumberger – passaram a praticar preços nas licitações de contrato muito inferiores ao padrão do mercado, mesmo tendo como implicação prejuízos no curto prazo que obrigaram as matrizes a realizar aportes financeiros. Através das análises dos contratos da Petrobrás com as grandes para-petroleiras podemos observar esse movimento semelhante à prática de dumping.
O valor médio dos contratos da Halliburton com a Petrobrás no período de 2014 até 2019 teve uma redução de 36% em relação ao período de 2007 a 2014, em compensação o número de contratos aumentou 72% no mesmo período, mesmo comparando sete anos com apenas quatro. A Baker e a Schlumberger, outras duas gigantes do mercado internacional, também realizaram movimento semelhante, tendo redução nos valores médios de contrato de 66% e 45%, respectivamente. Ambas aumentaram o número de contratos em 15% no período de 2014 a 2019 em relação ao período de 2007 a 2014. Dessa forma, essas empresas restabeleceram o controle do fornecimento tecnológico no país.
Se o setor de exploração e produção de petróleo é centralizado em poucas empresas, a área de fornecimento de equipamentos é monopolizada em grande parte por três para-petroleiras (Halliburton, Baker Hughes e Schlumberger). Existiu alguma interferência dessas empresas nos conflitos políticos ocorridos nos últimos anos no país?
A cadeia de petróleo é bastante diversificada e complexa, com um número bastante elevado de atores. O que acontece é que o setor de maior intensidade tecnológica, que produz as máquinas e serviços mais sofisticados, é monopolizado por essas grandes para-petroleiras. Segundo base de dados da IFI CLAIMS Patent Services, de 2018, as três empresas do setor de petróleo e gás com maior número de patentes em 2017 foram justamente as gigantes para-petroleiras: Halliburton, com 738; Baker Hughes, com 496; e Schlumberger, com 434. Apenas para critério de comparação, a Chevron – uma das maiores petroleiras mundiais -, obteve no mesmo período apenas 161 patentes.
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Com a exploração do pré-sal e o controle desse conhecimento pela Petrobrás, juntamente com a criação de uma cadeia de para-petroleiras nacionais sustentadas pela política de conteúdo local, as grandes para-petroleiras internacionais começavam a perder espaço e abrir a possibilidade de perder a capacidade de controle sobre o fornecimento tecnológico para a produção de petróleo brasileiro. É sobre essa lente que deve ser entendida a atuação dessas para-petroleiras junto às instâncias políticas.
Já em setembro de 2016, o governo de Michel Temer sancionou a MP 727, instituindo o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e resgatando a Lei nº 9.491/1997, que trata do Programa Nacional de Desestatização. Em novembro do mesmo ano, foi aprovado no Senado o PL 4.567/2016, construído pelo senador José Serra, que acaba com a prerrogativa da Petrobrás de ser operadora única dos campos do pré-sal. Por sua vez, a Resolução CNPE nº 07, de 11 de abril de 2017, definiu o novo modelo de conteúdo local a ser aplicado nas rodadas de licitação a partir de então. Além do percentual de conteúdo local deixar de ser considerado como fator de pontuação das ofertas, houve simplificação dos compromissos e redução dos percentuais mínimos exigidos.
Qual foi o impacto da diminuição da porcentagem de conteúdo local, nos leilões que se sucederam ao golpe, na indústria brasileira?
A política de conteúdo local impunha, desde a fase de leilões de novas concessões, percentuais de produção nacional no setor de petróleo e gás que chegavam a 62% na etapa de exploração e a 76% nas etapas seguintes. Dessa forma, o ritmo de crescimento da exploração de petróleo e gás no Brasil passou a ser condicionado pelo desenvolvimento da indústria nacional, mesmo com os enormes interesses “curto-prazistas” do mercado financeiro internacional em meio a um período de alto preço das commodities. Também se associa a essas medidas a política de investimento na infraestrutura nacional adotada pelo governo federal, com a construção de novos portos, aeroportos e refinarias, induzindo a expansão e o adensamento tanto dos elos da cadeia anteriores à produção de petróleo, quanto dos posteriores, como os derivados e seu transporte.
Dentro desse novo marco é possível produzir petróleo utilizando apenas produtos e serviços nacionais de pouco ou nenhuma intensidade tecnológica, importando e utilizando para os setores mais intensivos justamente as grandes para-petroleiras.
Com a mudança da política de conteúdo local, passou-se a exigir compromisso global de 18% para a fase de exploração e, para as etapas de desenvolvimento, fixaram-se compromissos mínimos para três macro grupos: construção de poços (25%); sistema de coleta e escoamento (40%); e unidade estacionária de produção (25%). Dentro desse novo marco é possível produzir petróleo utilizando apenas produtos e serviços nacionais de pouco ou nenhuma intensidade tecnológica, importando e utilizando para os setores mais intensivos justamente as grandes para-petroleiras.
Existem medidas semelhantes à política de conteúdo local em outros países?
O próprio marco de conteúdo local no Brasil instituído em 2010 foi baseado no marco institucional do petróleo da Noruega, que pode ser considerado o grande exemplo de utilização da exploração do petróleo para o desenvolvimento do país.
Em 2009, o Wikileaks divulgou um telegrama do consulado dos EUA intitulado “A indústria de petróleo vai conseguir combater a lei do pré-sal?”. Além disso, recentemente o Intercept mostrou a ligação de procuradores da Lava Jato com agentes norte-americanos. Na sua opinião, houve alguma influência dos EUA nos eventos políticos nacionais nos últimos anos?
Os EUA possuem bastante influência na cultura, nos costumes e na subjetivação do trabalhador brasileiro. Na geopolítica e na economia, a hegemonia não ocorre apenas na esfera da influência, eles intervêm diretamente mesmo.