Por José Carlos Nogueira de Castro
Advogado e Conselheiro da Ponte Preta
“Eu já fui preto e sei o que é isso”. O impactante depoimento de Robson da Silva, ex-atacante do Fluminense na década de 50, revela quanto foi lento, dolorido e sofrido o processo de inclusão do negro no futebol brasileiro. Para compreender a origem da democracia racial no Brasil é fundamental entender que o jogo se desenvolveu em seu berço oficial, a Inglaterra. Influenciado pela origem inglesa, o futebol nasceu no Brasil também como um jogo típico de classe média alta.
A primeira partida oficial foi disputada em 14 de abril de 1895, entre os sócios do São Paulo Atlhetic Club e funcionários da São Paulo Railway Company. O jogo, na época, só envolveu jogadores ingleses e brasileiros.
À medida que o futebol penetrava na sociedade, os opositores ao jogo também se manifestavam. Um dos críticos mais ferrenhos era o escritor Lima Barreto: “Percebi logo existir um grande mal que a atividade mental de toda uma população de uma grande cidade fosse absorvida para assunto fútil e se absorvesse nele; percebi também que não corria tal jogo para o desenvolvimento físico dos rapazes, porque verifiquei que eles eram sempre os mesmos a jogar; escrevi também que eles cultivavam preconceito de toda a parte; foi então que me insurgi”.
Os argumentos de Lima Barreto nunca foram suficientes para frear a euforia popular. Definitivamente, o futebol caía no agrado do povo e essa vulgarização do esporte gerava um desconforto aos mais ricos. Preocupada com um encontro de diferentes classes sociais em campo, a elite alegava que o futebol só poderia ser praticado por pessoas de mesma educação e cultivo, caso contrário nunca chegaria a ser uma diversão.
Em 13 de maio de 1927, aniversário da Abolição da Escravatura, um jogo inédito agitava o gramado da chácara da Floresta, em São Paulo. Pela primeira vez, negros e brancos se enfrentavam numa partida de futebol, um contra o outro. Mas entre os elencos havia uma diferença gritante. A equipe de atletas brancos era composta pelos jogadores dos principais clubes da divisão de elite, enquanto a negra reunia atletas das divisões inferiores.
Quando a bola rolou, o favoritismo dos brancos foi para o espaço. Derrota por 3 a 2, para delírio do público presente. O jogo se repetiu por mais de uma década e, a cada vez, maior era a surra. Em 1930, 4 a 0 para os negros. Já não era mais possível excluí-los! Quando apareceram Leônidas, Zizinho, Didi, Domingos da Guia, Garrincha e Pelé, até quem era contrário mudou de opinião e se rendeu às qualidades da raça negra.
Entretanto, um debate antigo que acirra a discussão sobre o tema é: qual clube aceitou o primeiro negro no Brasil? Invariavelmente, as respostas apontam para o clube Vasco da Gama, fundado em 21 de agosto de 1898, para ser uma associação à prática de remo. O Vasco só incorporou ao clube um time de futebol em 26 de novembro de 1915, ou seja, 15 anos após a fundação da Ponte Preta, que não faz distinção de raça desde sua fundação, em 11 de agosto de 1900. A razão disso? Era possível notar a presença de negros e mulatos entre seus fundadores.
O jogador Miguel do Carmo, por exemplo, foi o titular do time ainda no primeiro ano do clube. Embora o Vasco, em 1904, tenha elegido um presidente negro (Cândido José de Araújo), não há dúvidas de que a Ponte Preta é a pioneira na instituição da democracia racial no futebol brasileiro por, pelo menos, quatro anos. Não é à toa, e nem demérito vascaíno, mas é inegável que o primeiro jogador negro do futebol brasileiro nasceu nos colos da centenária “Nega Véia”.
Além de ser o mais antigo clube em atividade ininterrupta no país, de ter um estádio construído pela sua própria torcida e de ter instituído a primeira democracia racial do futebol brasileiro, a Ponte Preta é também pioneira em um outro assunto: é o único time do Brasil que ostenta a macaca como mascote.
Fonte: (Pécora, André. Ponte Preta: a torcida que tem um time / André Pécora, Stephan Campineiro. Campinas.SP – editora Pontes, 2010).