Demissão de Mandetta vai aumentar descrédito do Brasil, diz ex-ministro da Defesa

Para Celso Amorim, decisão amplia desconfiança internacional sobre o país e dificulta retomada dos investimentos

Durante videoconferência com dirigentes do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo, o diplomata Celso Amorim, que ocupou o ministério das Relações Exteriores (governo Itamar Franco), da Defesa (Dilma Rousseff) e chefiou o Itamaray (Lula), destacou que o descrédito do Brasil aumentará o com a queda do agora ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Antes mesmo do anúncio, Amorim apontava os graves equívocos cometidos pelo governo Bolsonaro e destacou depois que a demissão era mais um deles por indicar o caminho da impetuosidade ingênua em detrimento da ciência.

“A saída de Mandetta vai aprofundar uma tendência do Brasil que o mundo já vê como absurda, a opção pelo irracional, pelo impulsivo e pelo voluntarismo, como se a crise fosse acabar se nós afirmássemos que temos coragem de enfrentar a pendemia de peito aberto. O descrédito mundial vai aumentar.”

Para ele, no mundo há apenas dois líderes refratários à cooperação internacional: Donald Trump e Bolsonaro. O problema é que o segundo não possui atrás de si a maior economia e o maior arsenal bélico do planeta, como o primeiro, o que torna a aposta no confronto às medidas adotadas mundialmente uma aposta arriscada. Ou um caos arquitetado para gerar o ambiente de golpe.

Amorim reforça ainda que ambos os presidentes possuem em comum o deserto de ideias, que coloca Brasil e EUA numa posição sui generis. Os estadunidenses por, pela primeira vez, não terem um projeto para o mundo, e os brasileiros por não exercerem um histórico papel diplomático.

“O Brasil sempre teve uma posição de diálogo, de negociação entre as nações em situação de conflito e é lamentável que tenhamos mudado radicalmente nossa postura”.

A guinada rendeu, conforme lembrou, somente hoje duras críticas de importantes tabloides que não se alinham nem um pouco a pensamentos comunistas, como Bolsonaro e seus seguidores costumam tentam classificar todos os seus críticos.

“A saída de Mandetta vai aprofundar uma tendência do Brasil que o mundo já vê como absurda, a opção pelo irracional, pelo impulsivo e pelo voluntarismo, como se a crise fosse acabar se nós afirmássemos que temos coragem de enfrentar a pendemia de peito aberto. O descrédito mundial vai aumentar.”

Celso Amorim

O Financial Times reproduziu no Twitter um post do professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel que classifica Bolsonaro, Daniel Ortega, da Nicaragua, Alexander Lukashenko, de Belarus, e Gurbaguly Berdymukhamedov, do Turcomenistão, como a Aliança do Avestruz, por subestimarem a pandemia.

Em editorial, o estadunidense Washington Post classifica ainda Bolsonaro como o pior deles e também cita a demissão de Mandetta. “Ao se tornar o primeiro líder do mundo a demitir seu ministro da Saúde por adotar uma abordagem baseada em fatos para combater o coronavírus, Bolsonaro consolida o Brasil na Aliança da Avestruz.”

Quando as crises se encontram

Segundo Celso Amorim, a previsão de queda do Produto Interno Bruto (PIB), estimada em 5%, dá sinais trágicos a uma economia que já vinha mal e que não tende a melhorar tão cedo diante das medidas do governo Bolsonaro, num cenário em que a crise sanitária encontra a econômica.

“A economia mundial já estava mal, com diminuição da demanda. E agora teremos também dificuldade de oferta porque é difícil juntar pessoas em vários setores para trabalhar. A impressão dominante é que não se sairá dela com muita rapidez e o objetivo dever ser aumentar a renda, evitar que trabalhadores perdessem o emprego, pudessem consumir, e não se faz isso flexibilizando contratos de trabalho. A recomendação mundial é justamente o contrário, manter a demanda em alta. Claro, considerando que a primeira preocupação é preservar a vida, porque se não tem vida, não tem economia”.

Para piorar, não bastasse a pororoca causada pelo choque entre problemas na saúde e na economia, o governo brasileiro acrescenta mais emoção com graves falhas diplomáticas.

“A China, ainda que, aparentemente, tenha apresentado certa demora em identificar gravidade da pandemia, teve a respostas mais rápida à situação. Mas parece ter conseguido isolar a pandemia e diminuir o número de mortos, que hoje são menos do que no EUA, por exemplo. O que lhes permite atuar novamente na oferta de produtos. E do ponto de vista político passou a ter papel de cooperação muito importante com os outros países. O que fazemos? Promovemos uma crise diplomática com quem deveríamos manter uma relação de parceiros estratégicos, até mesmo para termos prioridade no momento de receber equipamentos de combate ao coronavírus.”

E o petróleo?

Como não poderia deixar de ser, a geopolítica do petróleo foi também tema de questionamento pelos dirigentes do Unificado. Amorim acredita que os preços tendem a se normalizar tão logo passe o pico da pandemia.

“A economia do petróleo é algo fundamental, não é a toa que os EUA estão atrás da Venezuela e não da Coréia do Norte ou da Arábia Saudita, para falar de regimes com democracia muito mais discutível do que a Venezuela. Quando a crise começar a arrefecer, a tendência é que as nações, em construção, precisem de mais energia para investir em infraestrutura. A demanda de energia e de petróleo deve voltar a crescer.”

Momento de agrupar

“A economia do petróleo é algo fundamental, não é a toa que os EUA estão atrás da Venezuela e não da Coréia do Norte ou da Arábia Saudita, para falar de regimes com democracia muito mais discutível do que a Venezuela. Quando a crise começar a arrefecer, a tendência é que as nações, em construção, precisem de mais energia para investir em infraestrutura. A demanda de energia e de petróleo deve voltar a crescer.”

Celso Amorim

Segundo o ex-ministro, a tendência é que tão logo o tema das privatizações não volte à pauta, diante da necessidade da intervenção do Estado para frear os prejuízos causados pela pandemia da COVID-19 e que parte dessa política desenvolvimentista permaneça.

O desafio dos movimentos sindical e sociais é justamente definir como isso se dará e a quem beneficiará.

“Entendo que teremos a volta de um Estado mais forte, mas a serviço de quem estará é que ainda não sabemos. Não temos respostas, temos possibilidades. Vamos ter uma ressaca da globalização, acho que não será como em 2008, quando tudo retomou seu curso. Ficou claro que neoliberalismo e capitalismo financeiro não são capazes de trazer as respostas que a população necessita”, definiu.  

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