Conversamos com integrantes da lista de antifascistas e historiadores que apontam as estratégias fascistas para frear as mobilizações
Por Luiz Carvalho
Desde o início do mês, a família Severo passou a ter algo em comum além do sobrenome. Três de seus membros foram incluídos em uma espécie de dossiê antifascista que circulou por aplicativos de mensagens trazendo dados como perfis nas redes sociais, endereços residenciais, comerciais, telefones e números de documentos.
A lista surgiu logo após o deputado estadual de São Paulo Douglas Garcia, do PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro elegeu-se, divulgar um pedido para que seus apoiadores enviassem dados de manifestantes que fazem parte de movimentos antifascistas.
A postura do parlamentar, que é investigado no inquérito das fake news conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), rendeu a abertura de outro inquérito, desta vez pelo Ministério Público de São Paulo para identificar se houve utilização de equipamentos públicos da Assembleia Legislativa de São Paulo para elaboração desse documento.
De acordo com o promotor Paulo Destro, o deputado pode ser enquadrado por atos de improbidade administrativa e atentado contra o Estado democrático de Direito, ao promover perseguição, criminalização e incitação do ódio, intolerância e violência.
A ação deixa clara que a tática de intimidação e coerção para amedrontar e silenciar a oposição tem crescido a partir de Bolsonaro e entre bolsonaristas. A mesma violência que o presidente utiliza contra a imprensa, também seus apoiadores têm investido contra os críticos, com riscos incalculáveis, conforme aponta o professor de Economia e Integração Econômica da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Luciano Severo.
“Ao saber que meu nome estava nessa lista, junto com a indicação da universidade onde dou aulas, num primeiro momento, minha reação foi de burla e chacota, não conhecia o teor da mensagem e nem tinha visto o vídeo do deputado, que me pareceu muito caricato. Mas, depois, comecei a me preocupar por ser um alvo em potencial na cidade, já que sou o único apontado em Foz de Iguaçu, uma região de fronteira, muito armada e militarizada”, diz.
Luciano Severo afirma não integrar qualquer grupo antifascista, mas entende que a luta contra o fascismo é um dever. “Não é direito, mas sim obrigação ser antifascista.”
Irmão de Luciano, o jornalista e escritor Leonardo Severo, também presente na lista, junto com o filho, que teve o RG, data de nascimento e região onde mora divulgados, afirma que irá processar individualmente o parlamentar, mas aponta que é preciso oferecer solidariedade a quem não tem as mesmas condições de defesa.
“Não é direito, mas sim obrigação ser antifascista.”
“Penso que o melhor caminho é as pessoas ingressarem com processos individuais para que possam onerar esse deputado. Mas eu tenho condições de acionar judicialmente e quem não tem? E quem pode ficar marcado e ser prejudicado, por exemplo, numa recolocação profissional?”, questiona.
Sinal dos tempos
Os critérios para a inclusão de nomes na lista sugerida pelo deputado não são nítidos, mas estima-se que uma das formas de captação dos dados tenha sido a utilização em uma rede social do filtro ‘antifascista’. Fator que aponta para a necessidade de redobrar o cuidado no uso desses aplicativos.
Para Tiago Franco, diretor do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), que também está entre os incluídos no dossiê, a medida escancara o crescimento da violência a partir dos grupos conservadores.
“Esse é um teste no limite desses tempos, criar mito de pessoas a serem perseguidas não é um bom sinal. O que temos acompanhado na rede é a premissa da direita de intimidar as pessoas para que parem de fazer postagens antifascistas”, conta ele, que registrou um Boletim de Ocorrência relatando o caso.
Mas o que é fascismo e antifascismo?
A atuação dos ‘antifas’, contração de antifascismo, voltou à discussão com os protestos antirracistas nos EUA após o assassinato do segurança negro George Floyd por um policial estadunidense de Minneapolis.
“O que temos acompanhado na rede é a premissa da direita de intimidar as pessoas para que parem de fazer postagens antifascistas.”
Como reação às mobilizações, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, buscou desviar o foco ao apontar que grupos ‘antifas’ é que estavam insuflando os movimentos e que seriam classificados como terroristas. Não demorou muito para que Bolsonaro e bolsonaristas resolvessem espertamente replicar o método, tratando as marchas contra o presidente e contra o fascismo como criminosas.
Não ao fascismo
Porém, para entender o antifascismo é necessário compreender contra o que ele luta. Conforme explica o professor de história e vocalista da banda punk Garotos Poderes, José Rodrigues Mao Júnior, o fascismo é um conjunto de movimentos que tem uma matriz comum, o fascismo italiano. Por sua vez, essa fonte dá origem a intervenções semelhantes em várias partes do mundo, como o nazismo, na Alemanha, o franquismo, na Espanha, e o salazarismo, em Portugal.
“Esses movimentos têm muitas diferenças, mas uma coisa há em comum: o anticomunismo”, explica.
O historiador Odilon Caldeira Neto, autor de “Sob o signo do Sigma – Integralismo, neointegralismo e o antissemitismo”, ressalta ainda que essa corrente é marcada também pelo autoritarismo, a adoração a lideranças autoritárias, o corporativismo e o militarismo.
“Esses movimentos (fascistas) tem muitas diferenças, mas uma coisa há em comum: o anticomunismo”
Características presentes numa extrema direita que aposta na negação de uma estrutura democrática.
“Trata-se de um discurso ultraconservador, um grande bloco que inclui bolsonaristas, militaristas, intervencionistas até grupos monarquistas, neonazistas e integralistas. O que os une é uma visão conservadora da sociedade, um enunciado ultranacionalista, antidemocrático e que não aceita ou não quer participar do jogo democrático. E que quando participa, quer fazê-lo visando a destruição da democracia.”
Mao lembra ainda que, a partir de 1970, surge uma nova onda, chamada de neofascista, que se vincula ao neoliberalismo. “Na origem, o fascismo era contra o liberalismo, mas a partir da ditadura de Pinochet, no Chile, temos a primeira experiência neoliberal como proposta econômica que investe contra o Estado de bem-estar social e o direito dos trabalhadores. E só é possível acabar com os direitos da classe trabalhadora na ausência da democracia”
A resposta – Já as manifestações antifascistas têm origem no início da década de 1920 como reação a regimes totalitários, tais quais o de Benito Mussolini, na Itália.
Ao lembrar o grande marco da luta antifascista, a Guerra Civil Espanhola, que ocorreu entre 1936 e 1939, quando comunistas, socialistas, anarquistas e até mesmo liberais se uniram na defesa da humanidade contra o nazifascismo, ele deixa também a ideia de qual pode ser a saída para as muitas nações que enfrentam regimes totalitários.
“Nossa obrigação, enquanto trabalhadores, é nos unirmos em uma frente popular contra o fascismo. Todos aqueles que se opõem à barbárie devem se unir para enfrentá-la”, indica Mao.