Como a vida do petroleiro mudou com o coronavírus

Trabalhadores da base que continuam na ativa e dirigente do sindicato contam como as transformações causadas pela pandemia mudaram a rotina 

Por Luiz Carvalho

Após três meses do registro do primeiro caso de coronavírus no país e 2.906 mortes oficiais contabilizadas no país por conta da COVID-19, a adesão ao isolamento social começa a registrar queda nos estados.

Em São Paulo, ao menos até agora, o decreto que determina a quarentena termina em 11 de maio, mas a restrição ao pleno funcionamento de empresas como a Petrobras segue. Especialmente por conta dos números de contaminados na companhia: são 121 trabalhadores próprios e 112 terceirizados já confirmados.

Diante da falta de testes e resultados mais ágeis, como tem sido comum em todo o país, não é possível ter uma estimativa exata, mas outros 1053 trabalhadores são casos ainda em investigação.

Para a maior parte da classe trabalhadora, o isolamento segue como a principal alternativa, porém, nem todos podem parar. Setores como o de laboratório, produção e manutenção numa refinaria precisam de um efetivo mínimo para que a produção de combustível e gás continue.

Algo que preocupa a técnica química Carla Moratori. Aos 34 anos, ela não integra diretamente o grupo de risco, mas mora com a mãe com mais de 60 anos e a avó que completará 96 anos em agosto.

Após o retorno das férias, trabalhou uma sequência de 3 dias e com a redução do número de trabalhadores no turno de 12 horas do laboratório da Refinaria de Paulínia (Replan), ela pode passar uma semana em casa e teve seu horário adaptado para administrativo (forma encontrada pela empresa para diminuição de trabalhadores expostos e também não pagar o adicional de turno).

Sua saída para driblar a preocupação tem sido cuidar da mente e buscar filtrar a quantidade excessiva de informações.

“Eu tenho conseguido manter equilíbrio praticando meditação e yoga, mas tenho sentido muita falta de exercícios físicos. E tenho evitado um consumo exagerado de informações me manter mais distante das redes sociais, internet. Tenho tentado ler coisas mais voltadas à pesquisa. Entender que este momento permitirá que a gente se encontre, se equilibre e sirva como reflexão para o futuro, na relação com o meio ambiente e as pessoas”, acredita.

Corona na rotina das crianças

Pai de duas crianças, uma de três e outra de seis anos, o técnico de operação também da Replan Diego Sedil reforça que mudou a sua forma de transporte para o carro particular e destaca que a preocupação com a limpeza é intensa.

Ao chegar em casa, tira os sapatos na porta e sempre vai tomar banho antes de qualquer contato com a família. Para ele, a única certeza é de que não há certeza alguma.

“Sinto bastante insegurança. O que mais sabemos é que não sabemos quase nada sobre esse vírus. Estava difícil conseguir máscara, mas agora conseguimos e começamos a usar. No trabalho, buscamos passar álcool gel constantemente no rádio, utensílios que sempre utilizamos. E no diálogo com os filhos o coronavírus sempre está presente, perguntam se já passou e se já podem sair. A menor outro dia estava até falando para o maior que se não comer vai pegar coronavírus. O meu maior medo é com eles, porque, sou eu quem sai, se qualquer coisa acontecesse, eu me sentiria o responsável”, afirma.

O técnico em manutenção *Júlio aponta também teve de se adaptar ao trabalho à distância.  Ele passa três dias na refinaria e mais três no tele trabalho, com acesso remoto à companhia e prestando suporte via redes sociais.

““Sinto bastante insegurança. O que mais sabemos é que não sabemos quase nada sobre esse vírus.”

Diego Sedil, técnico de operação

Aquilo que não é essencial fica para depois, explica ele que também passou a ir trabalhar de máscara e restringir sua saída a idas à Petrobrás, à farmácia e ao supermercado. Porém, se de um lado entende a necessidade do isolamento, por outro defende que os governos tenham um olhar unido e fraterno a quem não tem reservas para enfrentar a pandemia.

“Quem está querendo voltar a trabalhar é porque está com problemas financeiros, precisa sair para ganhar o pão de cada dia. Ou quem não tem um familiar ou amigo contaminado e só vai entender o que é quando isso acontecer. A gente está num momento em que não podemos pensar se a economia vai baixar ou não, enquanto não tivermos uma vacina, fica difícil falar em lojas abertas ou mundo normal. A vida é mais importante, não é porque o presidente falou alguma coisa que eu vou seguir. Mas, se antes do coronavírus já tínhamos desigualdade social, agora a pobreza será ainda maior e precisamos de medidas que ajudem quem não tem condições, não é só dizer para ficar em casa”, alerta.

Diálogo frágil e medidas unilaterais

Mas se os trabalhadores têm cumprido bravamente suas funções, nem sempre a Petrobrás tem valorizado esse esforço.

Coordenador da regional Campinas do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo, Gustavo Marsaioli, ressalta que localmente ainda tem sido possível conversar com a Petrobrás sobre medidas contra a pandemia e que a empresa tem aceitado sugestões. Ainda assim, com diferença de aplicações para contratados diretos e terceirizados.

Porém, na mesma nacional as conversas não têm avançado. Para piorar, a companhia tem adotado medidas unilaterais na organização da produção como a redução de jornada oito para seis horas no administrativo em critérios claros.

“Temos cobrado transparência, porque víamos pessoas com condições de saúde menos arriscada do que outras serem liberadas, porque algumas unidades estavam com um possível excedente, e isso foi uma forma de esvaziar para reduzir pagamento, enquanto em outros, onde havia trabalhadores em situação mais crítica sendo seguros pela empresa”, aponta.

Luta não para

Marsaioli comenta que, para um dirigente, esse período é muito crítico porque a atividade sindical é constituída de relações pessoais. Porém, a luta do Unificado ajuda a quebrar essa barreira.

“O positivo é que saímos fortalecidos da greve, a empresa até tentou enfraquecer a unidade da categoria com punições, mas nossa luta ajudou bastante a manter o contato com os petroleiros. Recebemos muitas ligações, e-mails, mensagens no Whatsapp e o próximo passo é fazer setoriais por videoconferência”, explica.

Para além desses encontros, ele não descarta realizar mobilizações para frear os ataques que a Petrobrás tem promovido ao ignorar o sindicato para adoção de medidas.

não descartamos fazer mobilizações para começar a incomodar a empresa.”

Gustavo Marsaioli, dirigente do Sindipetro

“Apesar de não ser momento oportuno para greve, não descartamos fazer mobilizações para começar a incomodar a empresa. Há atos que podemos fazer, desde mais simbólicas, como na greve de 1983, em que umas das primeiras ações foi usar um laço preto no uniforme. Até outras medidas que não comprometerão o abastecimento, mas começarão a criar uma escalada de mobilização e mandarão o recado de que continuamos na luta”, alerta.

*O nome foi modificado a pedido do trabalhador