Presidente da Câmara, Arthur Lira, já sinalizou que a desestatização da petroleira poderia ocorrer nos mesmos moldes utilizados na privatização da Eletrobras

Por Vinicius Konchinski, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann
A última terça-feira (14) foi um “dia histórico”, segundo a equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Reunido na sede da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o grupo comandado pelo ministro Paulo Guedes celebrou com música, luzes e confetes a conclusão da privatização da Eletrobras, a maior empresa de eletricidade da América Latina.
Juntos com o próprio Bolsonaro, eles tocaram uma campainha instalada no salão principal da Bolsa. O ato simbólico marcou o fim do controle estatal sobre uma companhia estratégica, responsável por gerar cerca de um terço da energia elétrica consumida no país.
A privatização da Eletrobras ocorreu por meio de uma capitalização. Autorizada por uma Medida Provisória convertida em lei em julho de 2021, a empresa colocou novas ações ordinárias – que dão direito a voto – à venda no mercado.
O governo, que detinha cerca de 72% dessas ações, decidiu não comprar parte dos novos papéis ofertados pela Eletrobras, que foram arrematados por investidores privados. Isso acabou reduzindo a 45% o capital votante da União na Eletrobras – abandonando o papel de acionista controlador da empresa, que necessita possuir mais do que 50% das ações ordinárias.
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A Eletrobras ainda não divulgou quais empresas, fundos de investimento ou pessoas físicas compraram suas ações e, com isso, ganharam poder sobre suas decisões. O noticiário sobre a capitalização aponta que grandes bancos e até grandes acionistas da ex-estatal, como os bilionários Jorge Paulo Lemann e José João Abdalla Filho, estariam entre os contemplados na capitalização.
Pelas regras da operação, independentemente da fatia da Eletrobras que eles detenham, seu poder de voto estará limitado a 10% do total. Essa limitação se aplica, inclusive, à União. O governo, entretanto, mantém uma “golden share” da empresa, o que lhe dá poder de veto nas deliberações sobre o estatuto social e outros temas.
Bilhões envolvidos
Ao todo, a operação que privatizou a Eletrobras movimentou R$ 33,7 bilhões. Desse total, cerca de R$ 25 bilhões vão para o caixa do Tesouro Nacional, podendo ser usados até durante o período eleitoral para medidas planejadas por Bolsonaro para baixar os preços dos combustíveis, por exemplo.
Outros R$ 5 bilhões vão para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), uma espécie de fundo criado para conceder descontos em tarifas de energia para consumidores, principalmente os de baixa renda e rurais.
O governo tem pressa para a aplicação efetiva desses recursos na CDE. Quer, inclusive, que isso ocorra até julho – três meses antes da eleição. O aporte possibilitaria um corte de cerca de 3% nas contas de luz dos consumidores brasileiros.
Ao longo dos próximos 30 anos, espera-se que a Eletrobras privatizada faça aportes de mais R$ 27 bilhões na CDE. Isso, em tese, abriria espaço para novas reduções nas contas.
Haverá um tarifaço na conta de luz dos brasileiros acima de 25%
No entanto, para Gilberto Cervinski, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e especialista em energia, o que ocorrerá de fato é um aumento de cerca de 25% do custo da energia, o qual perdurará por até 30 anos.
Segundo ele, isso ocorrerá porque os novos acionistas da Eletrobras devem incentivá-la a vender energia a preço “de mercado”. Cervinski explicou que, estatal, a empresa vendia 1.000 kWh por R$ 70. Outras empresas, vendem a R$ 300.
Ele disse também que a lei de privatização da Eletrobras contém “jabutis”, isto é, emendas incluídas por interesse não-republicanos de congressistas. Essas emendas obrigam o governo a comprar energia de usinas termelétricas, mais poluidoras e menos econômicas. O custo extra dessa energia será diluído na conta mensal dos consumidores.
“Haverá um tarifaço na conta de luz dos brasileiros acima de 25%”, resumiu Cervinski. “O governo Bolsonaro escondeu essa informação da população.”
Necessária retomada
Por conta disso, Cervinski defende que a Eletrobras seja reestatizada, ou seja, posta novamente sob controle do governo. “Não só possível como necessário”, disse. “Precisamos reverter e reaver tudo que foi privatizado. O país ainda deve processar os responsáveis por esse escândalo.”
A advogada Elisa Alves, que representa o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) em diversas ações judiciais contra a privatização da Eletrobras, diz que há inúmeras ilegalidades na venda do controle da empresa. Ela trabalha para que isso seja reconhecido pela Justiça e para que a desestatização seja anulada.
Caso isso não aconteça, ainda existe a possibilidade de o governo recomprar as ações que vendeu. A operação não seria trivial, mas é possível. Mundo afora, aliás, isso tem se tornado cada vez mais comum. Holanda, França e Alemanha já reestatizaram centenas empresas privatizadas principalmente no setor de saneamento energia.
Pelo menos dois pré-candidatos à Presidência – Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) – já disseram que vão rever a privatização da Eletrobras caso sejam eleitos em 2022.
Petrobrás na fila
Acontece que, enquanto a eleição não ocorre, Bolsonaro avança com sua agenda de privatizações. Durante seu mandato, 76 das 209 estatais federais foram privatizadas. E seus ministros já afirmaram que a Petrobrás está entre as próximas a serem vendidas.
Paulo Guedes já determinou a realização de estudos para a privatização. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou numa reunião com líderes partidários que pretende colocar em votação um projeto de lei para venda de parte da participação da União na estatal, privatizando seu controle numa desestatização no mesmo modelo da realizada com a Eletrobras.
Esse projeto, hoje, ainda não existe. Segundo Lira, ele deveria ser enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional para que tivesse maior força política.
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A geóloga Rosangela Buzanelli, representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobrás, acredita que há um movimento orquestrado para privatização da petroleira. Segundo ela, o presidente Bolsonaro integra esse movimento ao criticar a Petrobrás por conta de sua política de preços dos combustíveis, apesar de ser conivente com ela.
Buzanelli já disse que a eventual privatização da empresa dependeria da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que precisaria acontecer em dois turnos na Câmara e Senado, por 3/5 dos membros de cada casa.
Lira, contudo, argumenta que a venda de ações não dependeria de PEC e dá sinais que está disposto a fazer sua opinião prevalecer.
Em artigo publicado neste mês, Buzanelli pede atenção dos brasileiros para a investida de Lira. Segundo ela, com o governo e Congresso dominados pelo Centrão, “tudo é possível”.