“Bolsonaro joga com medo da população para proteger ricos”, afirma Boulos

Para líder do MTST, Guilherme Boulos, presidente sacrifica classe trabalhadora; economista Marcio Pochmann também participou de videoconferência do Unificado que apontou caminhos para enfrentar a crise sem desrespeitar a vida

“A retórica de Bolsonaro é populista, mas a população mais pobre é a grande prejudicada”, apontou Pochmann (Foto: Agência Brasil)

Por Luiz Carvalho

Diante do marasmo de ideias e projetos que marca o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para o enfrentamento da pandemia da COVID-19, os movimentos sindical e sociais têm intensificado o diálogo e a construção de propostas para o pais.

Fosse capaz de ouvi-las, talvez o presidente não se limitasse a contrapor o necessário isolamento social, apontado como alternativa mais eficaz pelas autoridades da saúde, à proposta federal de suicídio coletivo com a reabertura do comércio.

A estratégia presidencial, porém, não é mera inocência, como apontou coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, durante videoconferência do Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo que reuniu também o economista Marcio Pochmann na última sexta-feira (17).

Para ele, Bolsonaro aposta no medo da população em ficar sem renda para atender aos apelos dos empresários que continuarão devidamente protegidos contra o coronavírus enquanto defendem que a classe trabalhadora continue a produzir o lucro que os sustenta.

“Bolsonaro é hipócrita e criminoso, joga com o desespero da população deixando como opções ficar em casa e morrer de fome ou ir à rua e correr o risco de pegar coronavírus. Enquanto isso, governos do mundo inteiro, inclusive da direita, têm tomado posição de respeitar e orientar o povo para o isolamento físico e criado condições para que as pessoas enfrentem a quarentena com dignidade”, disse.

Boulos lembrou ainda que a proposta de renda mínima de R$ 600 só foi possível graças à atuação da oposição, já que o projeto inicial apresentado pelo presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, era de R$ 200.

“Bolsonaro é hipócrita e criminoso, joga com o desespero da população deixando como opções ficar em casa e morrer de fome ou ir à rua e correr o risco de pegar coronavírus. Enquanto isso, governos do mundo inteiro, inclusive da direita, têm tomado posição de respeitar e orientar o povo para o isolamento físico e criado condições para que as pessoas enfrentem a quarentena com dignidade”

Guilherme Boulos

Integração nacional

Para o líder do MTST, o Estado é fundamental neste momento como negociador de condições dignas inclusive junto à iniciativa privada e deveria tratar da disponibilização de quartos da rede hoteleira para abrigar pessoas em situação de rua como tem acontecido em Londres e Nova Iorque.

Também poderia trabalhar pela suspensão da cobrança de contas de água, luz e aluguel durante o período da pandemia, com o valor sendo negociado posteriormente por conta da crise econômica. Na gestão da crise hospitalar, defendeu, o Sistema Único de Saúde (SUS), assumiria os leitos da rede nacional, inclusive de hospitais privados, com uma fila única para todo o país.

Medidas que seriam economicamente viáveis, conforme destaca Boulos. “A Petrobrás teve lucro de R$ 40 bilhões no ano passado, que foram destinados a acionistas. Empresa pública tem de servir à sociedade. Desde a crise de 2008, o Japão aumentou em 60% a dívida pública, os EUA todos os países europeus seguiram o mesmo caminho, temos de quebrar o dogma da dívida pública por aqui.”

Essas ações, acrescentou Boulos, deveriam ser acompanhadas pela revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, que impede o investimento em serviços públicos por 20 anos e foi aprovada com apoio de Bolsonaro, a taxação de grandes fortunas e o afastamento do presidente.

“Bolsonaro se tornou um problema de saúde pública. Temos que continuar a luta pela vida com derrubada deste governo, que cometeu inúmeros crimes de responsabilidade. Razões políticas e jurídicas existem de sobra, agora é preciso construir caminhos para isso.”

E se fosse a esquerda?

O economista Marcio Pochmann lembrou que a resposta atabalhoada do Estado e bem diferente daquela apresentada diante da crise de 2008 deve considerar o cenário atual que atualmente tem à frente do Estado (presidência e Congresso) uma direita ultraliberal.

Ele analisou também que a desaceleração da economia já ocorria mesmo antes da pandemia. “O Brasil vinha de 2019 com economia enfraquecida sem possibilidade de engatar expansão significativa, tanto que iniciamos 2020 com uma renda média 7% abaixo da de 2014.”

Para piorar, o enfraquecimento dos serviços públicos dificulta o enfrentamento. “Lembramos que durante o governo Temer, o Brasil aprovou a EC 95 que, estima-se, retirou R$ 20 bilhões da saúde púbica e o atual governo acabou com programas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular.”

Garantia de emprego

Para Pochmann, a União teria o fundamental papel de adotar medidas que garantissem a renda para a população e diminuíssem o impacto na economia. Mas mesmo quando disponibiliza recursos, erra ao não estabelecer critérios e requisitos mínimos imprescindíveis.

“A retórica de Bolsonaro é populista, mas a população mais pobre é a grande prejudicada. O momento é excepcional e devemos adotar ações excepcionais como a proibição do trabalhador ser dispensado, para que não fique exposto ao medo neste momento de isolamento. Isso exigiria uma coordenação e entendimento entre governos, patronato, trabalhadores e sociedade civil que não há.”

Na avaliação do economista, desde 2016, a burguesia desistiu do país e prova disso é não ter nenhum projeto a não ser regredir a um Estado neocolonial. Cabe à esquerda, defende, o dever cívico de defender uma plataforma justa de desenvolvimento.

“A retórica de Bolsonaro é populista, mas a população mais pobre é a grande prejudicada O momento é excepcional e devemos adotar ações excepcionais como a proibição do trabalhador ser dispensado, para que não fique exposto ao medo neste momento de isolamento. Isso exigiria uma coordenação e entendimento entre governos, patronato, trabalhadores e sociedade civil que não há.”

Marcio Pochmann

“Esse projeto neoliberal não oferece empregos, mas postos de trabalho vinculados à renda dos ricos, com prestação de serviços e não com investimento no setor produtivo. Talvez tenhamos no Brasil a divisão entre quem defende a barbárie e quem defende um projeto civilizatório. Temos de lutar por um programa que reafirme o compromisso com nossa soberania, com a democracia e com a participação social.”

Gás para a todos

Mediadora do encontro, a diretora do Unificado Cibele Vieira apontou, assim como Boulos, que a Petrobrás pode ter um papel social fundamental neste momento. Para ela, a empresa que ajudou a comprar testes para identificar o coronavírus pode ser muito mais útil atuando em sua área, de energia.

Ela sugeriu o fornecimento gratuito de combustível para ambulâncias, viaturas e outros veículos que atuem na linha de frente do combate à pandemia como forma de dar vazão aos estoques que estão cheios e impedem a produção de gás de cozinha. O que leva a um temor pelo desabastecimento do produto que passou a ser muito mais consumido durante o período de isolamento social.

“O gás vem junto com o petróleo, não se consegue produzir só gás. O problema é que a Petrobrás está com os estoques cheios de gasolina e diesel, não tem escoamento e o gás não dá para estocar muito tempo. A empresa poderia fornecer de forma gratuita o combustível para ações de combate ao coronavirus, desonerariam os estados e municípios desse custo, e fariam com que não houvesse desabastecimento do gás”, explicou.

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