Criado para ser um mecanismo de evolução na carreira, o Mobiliza contínuo é deixado de lado e “novo” programa apresenta falta de critérios em mudança de ênfases

Em 2018, a Petrobrás apresentou o plano de carreiras e remuneração (PCR) como um substituto ao plano de classificação e avaliação de cargos (PCAC). O pacote de mudanças trazia junto o Mobiliza contínuo, um programa criado para intermediar as transferências para as vagas já disponíveis.
Segundo a companhia, o objetivo era facilitar a mobilidade e buscar alternativas para a ausência de trabalhadores em determinados setores por conta da falta de concursos públicos e desligamentos através de aposentadoria ou planos de demissão voluntária.
A nova proposta trazia um tempo maior de mudança de nível na carreira dentro da empresa. Se no PCAC essa progressão ocorria em no máximo 18 meses, caso o trabalhador atingisse as metas estabelecidas, e 24 meses no caso de não atingimento, o novo modelo impôs 60 meses como período a ser cumprido para ter acesso a um avanço de nível automático.
Em contrapartida, a empresa garantia maior facilidade para mudanças dentro do Sistema Petrobrás.
De acordo com as novas regras, bastaria ao petroleiro se inscrever para vaga disponível e, caso aprovado no processo seletivo, bastaria negociar o prazo de liberação com o gerente, sendo proibido o veto do responsável pela área cedente.
O problema ocorreu quando a teoria foi colocada em prática e ficou claro que os critérios de escolha não eram nem um pouco transparentes, seja na definição de vagas, seja na resposta aos que são preteridos.
Um trabalhador da Refinaria Paulínia (Replan), que conversou com o Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo sob a garantia de anonimato, apontou que a postura da empresa tem gerado grande insatisfação na base.
“Quem era de manutenção teria a oportunidade de ir para operação, contabilidade, qualquer outro cargo de nível técnico, desde que tivesse a formação exigida. A ampla mobilidade que pregaram, em 2020, seria a oportunidade, porque nunca se abriu tanta vaga na refinaria devido ao pessoal que foi se aposentando ou aderindo aos planos de demissão. Mas a gente não viu transparência alguma no processo, tanto na indicação para o processo seletivo”, afirma.
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Recentemente, a Petrobrás divulgou a necessidade de preencher vagas na operação da refinaria por meio da mudança de ênfase de técnicos da companhia, oportunidade esperada por diversos técnicos de áreas como manutenção.
Porém, durante a apresentação via videoconferência do processo seletivo, foi informado que o processo seletivo seria mais restrito do que o Mobiliza Contínuo prometia. A começar pela extensão do Banco de Interesses, que deveria funcionar como mera uma consulta para posterior abertura de vagas no novo modelo de mudança de seleção interna.
“O discurso da atual diretoria é que as vagas têm como prioridade o pessoal do segmento corporativo. O critério de seleção, que deveria ser amplo e se tornou restrito. É permitida a participação da manutenção, por exemplo, mas muito difícil a liberação, contrariando os regramentos do Mobiliza Contínuo e PCR”, adverte ele que lembra trecho do Código de conduta de ética da própria empresa que determina um alinhamento entre discurso e prática.

O petroleiro ressalta também a falta de retorno após o processo seletivo. “Da manutenção da Replan, nós tivemos em torno de 40 inscritos interessados em mudar de ênfase, mas apenas um foi liberado pelos gerentes setoriais, que disseram não poder permitir a liberação de mais técnicos devido à importância deles nos setores de manutenção. Continua havendo o crivo gerencial na origem”, pontua.
Ele questiona ainda se o descumprimento do compromisso resultará em benefícios também ao trabalhador ou somente à empresa. “Ao descumprir o discurso de ampla mobilidade na ocasião da promoção do PCR, a Petrobrás permitirá o retorno ao PCAC daqueles que se sentiram enganados?”, pergunta.
Outro trabalhador da Replan que também prefere não se identificar explica que o retorno da empresa sobre a as transferências têm deixado muito a desejar.
“Soube de colas que se inscreveram para mudar de ênfase, participaram do processo seletivo, chegaram a ser entrevistados, mas nunca houve retorno. Só ficaram sabendo que a vaga foi preenchida, quando o companheiro informou ao gerente que precisaria negociar o prazo com ele. A empresa precisa ser mais clara, apontar quantas vagas há, qual o perfil desejado. Porque nem isso a gente fica sabendo”, explica.
Transparência x uso político
Para o coordenador da regional Campinas do Sindipetro-SP, Gustavo Marsaioli, é fundamental que os critérios sejam explícitos para que não exista um uso político do programa e indica que o sindicato buscará esclarecimentos com a empresa.
“Devido aos PIDVs (plano de incentivo à demissão voluntária) e privatizações, está surgindo a necessidade de preenchimento de vaga. O Mobiliza pode ser uma forma de facilitar a logística de pessoal. Mas se as transferências não têm critérios bem definidos, com as pessoas se inscrevendo, tendo a oportunidade negada sem receber qualquer explicação, essa pode se transformar numa arma política, em que os companheiros que participam de greves e mobilizações são preteridos em relação aos que têm melhor relação com gerentes. Iremos cobrar a direção para que não exista dúvida sobre como funcionará o processo.”