Acreditar que Bolsonaro romperá com o mercado é ilusão, aponta Stedile

Para dirigente do MST, o que une a burguesia brasileira está acima de desavenças isoladas e movimentos sociais devem manter unidade por vacina, auxílio emergencial e impeachment

Apesar de aparentes desencontros, Bolsonaro e Guedes seguem unidos para rifar o Brasil, destaca Stedile (Foto: Agência Brasil)

Quando Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou a demissão de Castello Branco da presidência da Petrobrás, muitos apontaram que era um sinal de rompimento do presidente com o mercado.

Para alguns, um ato populista que teve como objetivo frear a queda de popularidade do governo medida em ao menos duas pesquisas recentes. Para outros, uma traição à burguesia que o elegeu, defende a venda das estatais e saiu prejudicada com a queda das ações.

Porém, aos olhos do economista, fundador e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, tudo não passa de um “pequeno teatro da política medíocre”.

De fato, quatro dias após a demissão, Bolsonaro entregou a Medida Provisória 1.031/2021, que abre as portas da privatização da Eletrobrás. Durante a cerimônia no Congresso, não faltaram afagos ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que estaria em processo de fritura. E ainda mais desmoralizado após a demissão, já que Castello Branco era um defensor e guardião do processo de vendas de ativos da petrolífera.

Em entrevista, Stedile avalia que os fatores que unem a burguesia são mais fortes do que desavenças pontuais e destaca que a crise envolvendo a Petrobrás é insuficiente para desestabilizar o projeto neoliberal. Contra isso, o único antídoto são as pautas que unificam os movimentos populares, aponta o dirigente.

A queda de Castello Branco representa um rompimento de Bolsonaro com o mercado?
João Pedro Stédile –
De maneira alguma. Bolsonaro é a expressão da vontade do mercado. Mas como há contradições na vida política e institucional, ele teve um chilique porque percebeu que a base dele sentiu que as pessoas estão reclamando do preço do gás, do diesel, da gasolina. E de forma intempestiva reagiu e demitiu o Castello Branco, colocando um general no lugar. Mas isso eu atribuo a um caráter intempestivo de um governo que não tem projeto e não sabe o que fazer.

Como não há rompimento da burguesia neoliberal com Bolsonaro, no Congresso, o centrão dará continuidade às votações das pautas neoliberais da reforma administrativa e tributária, em consonância com o governo. Mas lá também não depende tudo da vontade do governo, porque quem manda agora (após as eleições para a Câmara dos Deputados e do Senado) é a velha Arena (partido de sustentação da ditadura militar), que também sofre com as contradições de sua base eleitoral, de seus interesses partidários e regionais.

De maneira alguma o Bolsonaro romperá com o modelo neoliberal. O que aconteceu é que tem uma vocação militar, é autoritário, um neofascista e se sentiu ofendido porque o Castello Branco obedecia primeiro aos acionistas privados.

Você acredita, então, que esse atrito não repercutirá sobre as pautas empresariais no Congresso?
É evidente que os empresários ficaram ‘putos da cara’, sobretudo aqueles que são proprietários de ações da Petrobrás. Como o preço das ações caiu, alguns setores que investem muito se sentiram prejudicados porque não poderão vender e especular logo. Mas também há outros que correram para comprar ações, o setor empresarial tem as suas diferenças também.

Acho que o fundamental aqui é que estamos diante de um cenário em que a própria burguesia não tem projeto e, por isso, não têm unidade nem sequer em relação a Bolsonaro. Uma parte apoia o governo, porque foi quem o elegeu, mas há grande parcela que já está se distanciando.

Porque entenderam que a política econômica do governo e essas maluquices dele de ficar trocando de gestores não resolve. Ao contrário, aprofunda a crise econômica. E também perceberam que a falta de competência para lidar com a Covid-19 e disponibilizar a vacina afeta o nível de produtividade nacional. O próprio Blairo Maggi, de uma das famílias mais ricas do Brasil, rei do agronegócio e da soja, disse que o Brasil virou uma esculhambação.

O povo brasileiro está pagando com vidas, mas a burguesia também. O episódio da Petrobrás pode repercutir muito mais em relação ao Guedes, a panela de pressão sobre ele está aumentando.

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O Supremo Tribunal Federal (STF) parece ter elevado o tom contra Bolsonaro. Você acredita na possibilidade de uma guerra entre o Executivo e o Judiciário? Esse conflito pode trazer riscos à democracia?
Eu não acredito que exista conflito entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Lembre-se, esses três poderes são hegemonizados pelos interesses do capital. Isso não significa que, pontualmente, possam existir contradições entre eles. Ou que exista publicidade de opiniões individuais. Mas isso é apenas o pequeno teatro da política medíocre, como diria Antonio Gramsci. Na essência, não há conflito que leve à crise institucional entre esses três poderes.

O que mudou foi que o poder Executivo, representado pela vontade dos fanáticos, foi abafado. A burguesia disse a Bolsonaro que ele não era dono do mundo. E o Legislativo, agora hegemonizado pela velha Arena, está nas mãos de parcelas atrasadas da burguesia brasileira. Não é o capital financeiro, nem a indústria.

No Judiciário, as mudanças que têm ocorrido estão mais relacionadas com as revelações sobre a Lava-Jato. Aquilo sim impactou o STF. Os ministros se deram conta de que a sua responsabilidade veio a público, porque foram eles que construíram a operação fajuta do Mensalão e avalizaram, pelo Ministério Público, pelo TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), as maluquices da dupla de Curitiba (o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro Sergio Moro), que estavam a serviço dos interesses do capital internacional dos Estados Unidos.

O STF está se sentindo na obrigação de ser o zelador da Constituição e, portanto, terá de anular os processos da Lava-Jato, abrir um processo contra a dupla e restaurar os direitos políticos de Lula. E acho que a coragem do Supremo pode ter aparecido na prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), para ter autonomia e assumir seu verdadeiro papel que é de apenas ser zelador da Constituição. E cobrar das demais instâncias que também a cumpram.

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Muitas das pautas relacionadas a essa crise, como a queda do presidente da Petrobrás que defendia as privatizações, baixar o preço do combustível e o valor da conta de energia, como Bolsonaro sinalizou, são bandeiras que os movimentos sociais também defendem. Como o senhor acredita que deva ser o posicionamento das forças progressistas diante dessa conjuntura?
Do ponto de vista de pauta dos movimentos sociais, temos construído uma unidade entre as quatro frentes de articulações: Frente pela Vida, Respira Brasil, Democracia e a Popular (que une Povo Sem Medo e Brasil Popular).

Essa unidade está baseada em três demandas urgentes. A primeira, vacina já para todos, porque sem vacina não teremos vida. Auxílio de emergência já para todos, porque temos 60 milhões de trabalhadores na sarjeta, sem nenhuma fonte de renda e precisamos recuperar ao menos os R$ 600 por mês para que esse povo possa se alimentar e ter fôlego para procurar e lutar pelo emprego. E a terceira, Fora Bolsonaro, porque nenhuma das outras duas irá acontecer se não mudarmos esse governo. Nossa pauta de emergência agora é essa.

Evidentemente, está colocado também para a esquerda, para os movimentos populares como um todo, uma pauta permanente que se realiza a médio prazo, como a defesa das estatais. Mas isso é algo mais prolongado, uma luta de esforços permanentes, em defesa da Petrobrás, da Caixa, da Eletrobrás, dos Correios e do Serpro, para citar as mais importantes.

Um segundo tópico é a tributação dos ricos e das altas fortunas, mas isso demora porque tem de costurar, tem de ter mobilização de massas e sem vacina não é possível. Assim como as pautas relacionadas com o emprego e a reindustrialização.

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