Especialistas apontam principais desafios para democratizar a comunicação, em meio a uma conjuntura de propagação de fake news e ataques à liberdade de imprensa

Por Guilherme Weimann
Nas últimas décadas, setores progressistas têm realizado um profundo debate sobre a necessidade de democratizar os meios de comunicação, monopolizados por grupos econômicos com origens familiares. O tema ganhou novos ingredientes com a consolidação da internet, principalmente pela carência de políticas públicas garantidoras de uma conexão universal.
No Brasil, 42 milhões de pessoas nunca acessaram a internet. Além disso, levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) – departamento do Comitê Gestor da Internet (CGI) – aponta que 70 milhões têm acesso precário ou não têm nenhum acesso à internet. Entre as pessoas que utilizam regularmente a internet, 56% acessam apenas pelo celular.
Ainda de acordo com a pesquisa, que leva em consideração o ano de 2018, 85% dos usuários das classes D e E acessam a internet exclusivamente pelo celular, 2% apenas pelo computador e 13% tanto pelo aparelho móvel como pelo computador.
Eu acho que a pandemia demonstrou claramente o fosso existente entre aqueles que têm e aqueles que não têm acesso à internet.
Esse déficit, que também expõe a enorme desigualdade social brasileira, tornou-se ainda mais evidente durante a pandemia do novo coronavírus e, consequentemente, do isolamento social necessário para frear a propagação da doença. Essa é a opinião do jornalista, doutorando da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Coletivo Intervozes, Marcos Urupá.
“Eu acho que a pandemia demonstrou claramente o fosso existente entre aqueles que têm e aqueles que não têm acesso à internet. Estudantes não conseguem acesso para se prepararem para o ENEM, por exemplo, e aí todo o debate sobre o adiamento da prova. Vários jovens tiveram o sonho de entrar na universidade postergado. São vários e vários relatos de casas, com cinco ou seis pessoas, onde existia apenas um celular com acesso à internet, que precisava passar por um rodízio de uso”, detalha Urupá.
Diante desse cenário, o pesquisador avalia que a principal bandeira no espectro da comunicação deve ser elevar o alcance da rede. “O meio de contornar o cenário atual seria a gente tentar fazer uma luta pela ampliação do acesso da internet no Brasil. Eu acho que a agenda mesmo, dialogando com o debate da conjuntura, tem que ser a popularização e a universalização do acesso à internet”, opina.
Essas reflexões foram feitas nesta sexta-feira (10), na 15º edição do SindiPapo, live criada durante a pandemia pelo Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado-SP). Além de Urupá, também participaram do bate-papo o jornalista, blogueiro e coordenador do Barão de Itararé, Altamiro Borges, e o diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Tadeu Porto.
Avanços e retrocessos
Dentro do campo da esquerda, uma das críticas recorrentes direcionadas aos governos petistas se refere à negligência quanto à regulamentação da mídia. Apesar disso, existe um consenso em relação a três episódios, reconhecidos como marcos para o setor.

O primeiro aconteceu em 2008, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.652/2008, que criou a Empresa Pública de Comunicação (EBC) – incluindo a TV Brasil, a Agência Brasil, a Radioagência Nacional e um sistema público composto por mais oito emissoras de rádio.
Outro fato ocorreu em 2009, na I Conferência Nacional de Comunicação, quando foram aprovadas 700 propostas em Brasília (DF), após 27 conferências estaduais que reuniram, no total, aproximadamente 30 mil pessoas.
O Marco Civil deu um salto enorme, foi uma resposta a uma modelagem que estava se construindo de vigilantismo e punitivismo na internet.
Por fim, mas não menos importante, transcorreu quando a ex-presidenta Dilma Rousseff sancionou o Marco Civil da Internet, em 2014, que definiu direitos e deveres de usuários e de provedores de serviços de conexão e aplicativos na internet, a partir de três princípios fundamentais: neutralidade, respeito à privacidade e liberdade de expressão.
“[O Marco Civil da Internet] foi exemplo para muitas legislações mundiais na garantia de direitos e deveres dos usuários. Quando o Brasil lançou o Marco Civil deu um salto enorme, foi uma resposta a uma modelagem que estava se construindo de vigilantismo e punitivismo na internet. Não à toa existem muitos projetos no Senado e na Câmara propondo mudanças na neutralidade de rede e responsabilização de plataformas”, ressalta Urupá.
Apesar desses avanços inegáveis, o pesquisador pondera sobre o enfraquecimento da Telebrás durante o governo Dilma. “O enfraquecimento da Telebrás foi um retrocesso quando o assunto é internet. A Telebrás deveria ser a controladora das políticas de banda larga no Brasil. Porque, hoje, o Estado brasileiro se ausentou tanto desse setor que a gente não tem nenhum player. O próprio setor do petróleo tem agentes privados, mas um agente público muito forte. Nós temos bancos públicos também, que fazem esse papel. Mas no campo da internet não temos isso, o que nos torna reféns para implementar essas políticas”, explica.
Disputa nas redes
O coordenador do Barão de Itararé, Altamiro Borges, também aponta a ascensão dos blogueiros como fenômeno significativo dos governos petistas. “Como diria [o filósofo marxista Antonio] Gramsci, na crise de representação dos partidos burgueses, a imprensa ocupou o papel de partido do capital. Como a imprensa estava com uma postura muito acirrada com os governos Lula e Dilma, no caso do Lula por uma questão de classe, e no caso da Dilma até por uma questão de misoginia, essa blogosfera foi se constituindo como um contraponto”, recorda.
Essa linguagem do ódio e da mentira tem muita força na internet. Ela se espalha muito mais rápido que a linguagem do racional, do iluminismo.
Para o jornalista, a mudança na atual conjuntura não se refere à relevância dos blogs, mas à ascensão de uma extrema direita articulada nas redes sociais. “A extrema direita se organizou melhor, preparou-se internacionalmente, com o papel do Steve Bannon, por exemplo. Ela investe muita grana em robôs, não é coisa para amadores. Ela investe em impulsionamento e estudos de perfis psicológicos. Por outro lado, essa linguagem do ódio e da mentira tem muita força na internet. Ela se espalha muito mais rápido que a linguagem do racional, do iluminismo”, pondera Borges.
Nesse sentido, o diretor da FUP, Tadeu Porto, considera impossível utilizar de grande parte da estratégia da direita. “A esquerda ficou para trás na comunicação, entre aspas, porque se manteve fiel a valores que considera caros, e a gente não estava errado. Porque é muito mais fácil você viralizar pelo ódio, é uma questão de ferramenta, não é somente uma questão de conteúdo. É muito mais fácil você viralizar pela polêmica, é muito mais fácil você alcançar mais pessoas com notícias rasas. E a direita navegou nisso com força”, aponta.
A direita também teve alguns méritos. Eu acho que o nosso papel agora é se apropriar dessas ferramentas.
Por outro lado, o petroleiro reconhece a competência desses setores conservadores. “A direita também teve alguns méritos. Eu acho que o nosso papel agora é se apropriar dessas ferramentas. Ou seja, lives para poder conversar, webnários para poder aprofundar, grupos de WhatsApp para coordenar. Pegar os métodos e encaixar os nossos conteúdos, sem perder os nossos valores”, avalia Porto.
Assista abaixo o bate-papo completo: