Audiência pública explicita relação entre venda de refinarias e alta dos combustíveis

Debate opôs pesquisadores e petroleiros de representantes de órgãos estatais e do setor privado, que reforçaram a defesa da atual política de preços dos combustíveis

Integrante do CADE afirmou que Preço de Paridade de Importação (PPI) possibilita que investidores estrangeiros comprem refinarias sem sofrer com “predação” da Petrobrás (Foto: Reprodução)

Por FUP

Em audiência pública realizada na segunda-feira (24) pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados Federais, o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, denunciou o monopólio privado que irá controlar os preços dos derivados de petróleo nas regiões Norte, Nordeste e Sul do país, caso se concretize a privatização das refinarias da Petrobrás.

Além disso, cobrou que a definição dos preços dos combustíveis seja amplamente debatida pelo Congresso Nacional e tratada como política de Estado. “As decisões sobre os aumentos dos combustíveis, que afetam milhões de famílias brasileiras, não podem ficar nas mãos das onze pessoas que integram o Conselho de Administração da Petrobrás”, afirmou.

A audiência pública foi proposta pelos deputados João Daniel (PT/SE), Patrus Ananias (PT/MG), Erika Kokay (PT/DF) e José Carlos (PT/MA) para debater o impacto social dos altos preços dos derivados de petróleo. O presidente da Petrobrás, Joaquim Silva e Luna, foi convidado, mas não compareceu, sendo representado pelo gerente geral de marketing e comercialização do mercado interno da empresa, Sandro Paes Barreto.

O funcionário da estatal defendeu a atual política de reajustes dos combustíveis que, desde 2016, é baseada no Preço de Paridade de Importação (PPI). Em função disso, os preços dos derivados no mercado interno são baseados na cotação internacional do barril de petróleo e, consequentemente, do dólar, mesmo o Brasil sendo autossuficiente na produção de petróleo e tendo um parque nacional de refino capaz de suprir a demanda da população.

Em decorrência do PPI, as refinarias da Petrobrás realizaram, somente neste ano, aumentos de 41,44% na gasolina, 33,9% no diesel e 17,9% no botijão do gás de cozinha, item fundamental na cesta básica dos brasileiros. “Essa política de preço visa principalmente à maximização dos lucros e geração de dividendos para os acionistas, sobretudo os minoritários, em detrimento da população brasileira que paga preços exorbitantes com os aumentos sucessivos dos combustíveis. Além disso, o PPI facilita o processo de privatização das nossas refinarias, tirando a possibilidade do Estado brasileiro pensar uma política de preço que seja justa para os brasileiros”, opinou Bacelar.

Política de preços atrelada ao processo de privatização

A audiência na Câmara, conduzida pelo deputado Waldenor Pereira (PT/BA), contou também com a participação do pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP), Eduardo Costa Pinto, que reforçou o fato do Brasil ser autossuficiente na produção de petróleo bruto, o que precisa “ser levado em conta para a definição dos preços dos seus derivados no mercado interno”.

Ele lembrou ainda que os preços dos derivados estão muito acima da inflação desde 2018, o que já levou à queda de dois presidentes da Petrobrás por conta das turbulências causadas pelo PPI, política que, segundo ele, é insustentável. “A Petrobrás reduziu a capacidade das refinarias e abriu espaço para a importação. Com o PPI, a empresa está exercendo um preço de monopólio, não de concorrência, pois está operando abaixo de sua capacidade, exercendo o preço máximo possível, maximizando os lucros dos acionistas”, explicou.

O pesquisador do INEEP atribuiu ao projeto de privatização das refinarias da Petrobrás (adotado a partir de 2016) à adoção de uma política de preços amarrada aos preços internacionais e à variação cambial. “Criou-se uma ideologia, sem que se olhasse o mercado”, comentou ele, destacando que a privatização das refinarias não resultará em maior concorrência, tampouco em queda nos preços dos derivados.

Monopólio privado

O representante da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), Paulo Cesar Ribeiro Lima, reforçou as argumentações da FUP e do INEEP, afirmando que o PPI e o projeto de privatização das refinarias são insustentáveis não só para a população brasileira, como para a Petrobrás. “Temos um monopólio estatal de baixíssimo custo que poderia ser revertido para a população. É óbvio que teremos monopólio privado. O CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] não está preocupado com a formação de monopólios, senão impediria que as mesmas empresas arrematassem todos os ativos da região, como fez o Mubadala na Bahia (referindo-se a compra da Rlam e dos terminais da Transpetro). O Mubadala não comprou uma refinaria. Comprou um mercado”, denunciou.

Já os representantes do CADE, Ricardo Medeiros de Castro, e do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), Valeria Lima, defenderam a atual política de preços dos derivados de petróleo, argumentando que o PPI é bom para a concorrência, “pois permitirá que investidores estrangeiros venham para o país sem sofrer a “predação” da Petrobrás”, como afirmou o Coordenador de Estudos de Condutas Anticompetitivas do CADE.  A diretora executiva de Downstream no IBP, por sua vez, defendeu o PPI como condição para atração de investimentos estrangeiros. “Se o investidor compra uma refinaria, ele perderá dinheiro caso tenha que competir com um agente como a Petrobrás, sem que a mesma assuma a paridade de preço de importação”, apontou.

Na linha contrária, o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Dahmer, ressaltou que o que está em jogo é a soberania nacional. “O que estão fazendo com a Petrobrás é um crime de lesa pátria. Um crime que não se justifica. Toda a lógica é para favorecer acionistas estrangeiros. Não é só uma discussão sobre o preço de derivados”, afirmou. Caminhoneiro autônomo, ele lembrou a greve da categoria em maio de 2018, “puxada entre outras coisas pelo preço do diesel, que na época era R$ 1,37 mais barato do que atualmente”.

No encerramento da audiência, o deputado federal Glauber Braga (PSOL/RJ) alertou que o representante do CADE em sua fala deixou claro o desvio de finalidade do órgão, ao assumir que o acordo feito com a Petrobrás teve como premissa o compromisso da empresa em realizar uma série de desinvestimentos. Ou seja, um acordo que atende aos interesses das empresas privadas, em detrimento do interesse público. O deputado destacou que isso ficou claro na fala da diretora do IBP, que afirmou que o PPI é importante para os investidores importadores, ou seja, “estão dizendo que a política de preços da Petrobrás é pautada exclusivamente nos interesses desses agentes”.

O coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, criticou duramente o CADE. “É inadmissível ver o CADE exigir que uma empresa se desfaça de seus ativos. Isso não existe na história do Brasil. O CADE é um órgão para regular concentração econômica, a partir de negócios realizados pelas empresas. Não há paralelo algum o termo que foi assinado entre a Petrobrás e o CADE para a venda de ativos, de refinarias. O órgão fiscalizador não deveria estar definindo o que a empresa vai fazer com sua gestão interna”.

Assista a audiência na íntegra:

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